Apareces para tomar um chá? Tenho saudades de o beber contigo. Tu sabes, sou muito dado a saudades, incorrigível no que toca aos sentimentos, às pessoas, às coisas de que gosto. Tenho bebido chá, mas sozinho. Sempre sozinho. Faço tudo como se estivesse à espera de alguém. Ponho a mesa com o requinte que me conheces. O bule é sempre o que me deste. Trouxeste-o da Índia, acho eu. Já não me lembro bem. A solidão tem destas coisas. Começamos a trocar as memórias, a misturá-las com as que inventamos. As que não são memórias, são simples ideias que nos atravessam o cérebro e que logo armazenamos para que não nos escapem, para que nos façam pensar que vivemos mais do que a realidade. A mesa é a de braseira. Nesta altura do ano não prescindo de sentir aquele quentinho. Sento-me ali durante horas. Os meus livros, os meus jornais, os meus cadernos. Cada vez mais vazios. Cada vez mais cadernos. Não percebo porque insisto em comprá-los. É uma espécie de pulsão. Vejo-os e tenho que os ter. Depois quando os vejo aqui acumulados...está tanto frio...sabes que a solidão mata? Invento estes chás, para inventar que vou ter companhia. O que é que andas a fazer? Porque é que não apareces para tomar chá comigo? Cansaste-te não foi? Tens razão. Que interesse poderei eu ter para ti? Tu, com a tua vida agitada, os teus amigos, os teus jantares, o teu trabalho absorvente e de responsabilidade. Eu, aqui, na minha varanda, na minha mesa, com os meus livros, os meus jornais e os meus cadernos, cada vez mais cadernos. Olho através dos vidros e vejo o tempo passar. Lento mas rápido. Como se fosse possível tal contradição. Como se o tempo pudesse ver-me e também ele fugir de mim. Acreditas que há pessoas que têm este condão de se sentir sempre sós, de não conseguirem manter-se acompanhadas? Pudesse eu mudar o rumo da vida e seria igual a ti. Não me deixaria prender por ninguém. Seria livre. Tomaria a rédea da minha vida e seria o único a ditar as regras do meu jogo. Não, não seria capaz...vês? Lá estou eu a inventar. Daqui a bocado já não sei se vivi mesmo este momento...sabes que a solidão mata? Aos poucos, por dentro, vai roendo tudo e deixando o vazio.
Apareces para tomar um chá comigo? O bule já está em cima da mesa.