Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Teatro

Gosto quando o pano fecha definitivamente.

Quando a sala se esvazia e fico sentado nas tábuas do palco. Sozinho com o meu medo da solidão.

Coisa mais parva esta, mas tão verdadeira. Escondo-me por trás da fantasia efémera de cada espectáculo, deixo que cada um dos personagens tome conta de mim e me leve para um mundo onde eu realmente não pertenço mas onde me sinto seguro. Lá ninguém precisa de ser verdadeiro, apenas vestir uma pele e com ela conviver com outros. Nesta segurança irreal despeço-me de todos os medos e de tudo o que atormenta o espírito enquanto pessoa real.

Quando a sala se esvazia e me sento nas tábuas do palco. Respiro fundo. Gosto de sentir o cheiro daquele chão, daqueles tecidos pesados, de uma sala onde muitas pessoas estiveram durante duas horas envoltas num mundo de ilusão. As tábuas do palco já foram pisadas por centenas, milhares de pés, antes do meus. Que histórias de inseguranças e medos poderão elas contar-me?

Tenho medo da solidão, mas ao mesmo tempo preciso dela. Tenho medo de não ter ninguém à minha espera, alguém que me abrace e me faça sentir querido. Ao mesmo tempo, tenho uma necessidade imensa de silêncio, vazio, companhia de mim próprio. Será de mim ou comum a todos os que se catalogam de criativos?

Quando a sala se esvazia e me sento nas tábuas do palco. Penso. Em todos os que ali vivemos, todos os dias, todas as horas. O que conhecemos de cada um dos outros? O que deixamos que cada um dos outros conheça de nós?

As minhas contradições deixam-me ansioso. Não consigo entender-me a mim próprio. Não consigo entregar-me completamente…a ninguém…anseio por algo que não consigo definir…vivo, ou sobrevivo?

Quando a sala se esvazia e me deito nas tábuas do palco. Olhos fixos nos projectores apagados, no sistema complicado de suporte de luzes. Procuro nas luzes apagadas um sinal que me indique o caminho a seguir, a opção a tomar, o Eu real despido da fantasia.

Deito-me no chão, nas tábuas do palco. Saio de mim e observo-me de cima. Gosto de me ver assim. Diferente da imagem que o espelho do camarim me devolve quando me observo nele. Quem aparece no espelho é quem todos vêem, quem todos pensam saber quem é. Daqui, de onde me observo a mim próprio, sei quem vejo e quem quero ver. Vejo-me como devia ter a coragem de ser. Livre. Capaz de sair do seguro e lançar-me no desafio do desconhecido, do novo, do desejado.

Quando a sala se esvazia há uma parte de mim que desaparece para sempre. Até ao dia seguinte. Talvez seja aquela a parte mais verdadeira de mim. A parte que necessita da pele de outro para existir, embora numa existência fantástica. A parte que pode ser duas sem ter que revelar a sua única existência. A parte que tem por companhia aqueles que não exigem nada, apenas assistem e garantem que a solidão continua individual, privada.

Palco quente, sensual e desejado.

Vida só, sensual, privada, eternamente imaginada…

4 comentários:

Coragem disse...

No teatro vive-se acordado a magia do sonho...
Poder-se ser o que se quiser, Sem que a alma sofra a dor da realidade.
É magia, ser-se tantos num só, é viver num momento o que se desejou a vida inteira


Obrigada pela visita ao meu espaço.
Perdi-me pr aqui, virei outras vezes se mo permitir.

Beijo

O Profeta disse...

O vale acorda no encontro ao mar
Engalanado por pingos do céu
A terra exulta em alegria
Tal como noiva debaixo do véu

Vem voar comigo no vale dos milhafres


Boa semana


Doce beijo

Sávio Fernandes disse...

Texto muito sentido, esse. Tão pessoal. Gostei.
E gostei também do teu blogue. Vou voltar com mais tempo. (:

LeniB disse...

E como dizia Shakespeare....all the world is a stage!!
bjs

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