É tarde. Devia ir-me embora mas não tenho coragem. Quando consigo ter-te assim, só para mim, balanço entre o que devo e o que quero fazer. É tão raro dares-te assim. Sem teres medo do que eu possa pensar sentir. Sem teres medo do que se possa passar no teu coração a quem tu insistes em não dar ouvidos. Já não estremeço quando estou perto de ti. Já não me falta o ar quando penso em ti ou te vejo aproximar. Não. Essa fase já passou. Agora é apenas o contentamento. O prazer que me dá estar perto de ti. E aqui está-se tão bem. Sentes o calor que a lareira está a fazer só para nós? A lenha estala à medida das pausas que fazemos na nossa conversa sussurrada. Pressente-nos e por isso aquece-nos. Sabe que nos enroscamos, que nos encolhemos debaixo das mantas coloridas, apenas mãos de fora para segurar as canecas do chá e o livro que partilhamos. É tarde. Diz-me qualquer coisa que me faça ficar um pouco mais. Uma qualquer banalidade que te passe pela cabeça. Podes até dizer-me que tens medo. Que não te deixe só. Por dentro irei rir-me de tal desculpa. Por dentro baterei palmas de contentamento. Fechas os olhos. O cansaço começa a vencer-te. Gosto de te ver assim. Em paz. Gosto de imaginar que quando fechas os olhos, à noite, sonhas comigo de vez em quando. É uma forma de me manter por perto quando o tempo nos afasta. Há quanto tempo? A invasão do espaço e do tempo não te agradam. O teu espaço, o teu silêncio, o teu tempo são preciosos. Sei-o agora. Custosamente compreendo-o. Respiras fundo. Adormeceste. Olho-te só mais uma vez. Fecho o livro, marcador na página. Aconchego-te a manta. Azul. Certifico-me que a lareira está esperta para te aquecer toda a noite, sem perigo. Não te toco. Um bilhete em cima do livro lembrar-te-à, amanhã, de que esta noite aconteceu.
1 comentário:
Se cozinhas como escrves, felizes os que comem as tuas iguarias:)
Venho deixar-te os meus votos de um FELIZ ANO NOVO.
Beijinhos
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