A minha Máquina noutras mãos, Janeiro 2009, Lisboa
Conheces este banco de cidade? Todos os dias te espero aqui. Sentada. Absorta em pensamentos que me levam ao início do tempo. Quando os cabelos brancos ainda não enchiam a minha cabeça de uma mancha branca. Quando as minhas pernas ainda não pediam descanso antes de chegarmos ao destino. Sento-me. Chapéu de chuva dum lado, saco com o crochet de outro. Espero-te. Na verdade já não me apetece o crochet...os olhos já falham e as mãos doem-me. Sabes, este frio, esta humidade invernosos...a minha artrite. Acho que o trago só para me fazer companhia. Para me sentir segura. Como se este trabalho manual que me entretém dias, semanas e meses de solidão, fosse também a minha defesa. Se o trouxer comigo está tudo bem.
Sento-me. Vejo quem passa. Aprecio caras, roupas e posturas. Vejo o tempo a passar. Enquanto espero. Te. No teu casaco de fazenda aos quadradinhos. Sobretudo. Boné de fazenda, que te protege a cabeça do frio. Espero a calma dos teus olhos verdes. Quando chegares, dás-me um beijo e caminharemos de mãos dadas. De volta a casa. Conversaremos, veremos as montras. Pararemos a meio do caminho para beber o cafézinho da tarde, para fazer umas compras de fruta que já falta....
Está frio. O céu escurece de repente quando é Inverno. Abandono o banco de jardim. Chapéu de chuva numa mão, saco de crochet noutra. Caminho. A cabeça erguida. O passo lento. O caminho para casa. Sem ti. Ainda me custa perceber que não virás ter comigo ao banco de jardim, simplesmente porque já não estás cá. Estás noutro sítio, melhor dizem, para me animar um pouco. A verdade é que os dias, as semanas, os meses são cada vez maiores. As mãos doem-me cada vez mais e o crochet já não me entretém. Volto para uma casa que me espera. Vazia e sozinha. Amanhã estarei novamente no banco de jardim. Desejando que voltes, desse sítio onde estás, melhor, para me vires buscar...
Até amanhã, meu Amor.
PS - Este texto foi escrito a pensar na minha Avó, nos meus Avós maternos. Todos os dias, ao final do dia, saía ao encontro do meu Avô que regressava a pé do trabalho. Era mais ou menos esta a rotina do final de dia. A última frase está na renda, feita por ela em crochet, de um lençol que vive cá em casa. Tenho saudades destes fins de tarde...
8 comentários:
simplesmente LINDO !
beijinho M.B.
Desde já obrigado pelo comentário. Detesto Portugal, mas talvez também detestasse outro lugar. O sítio onde vivo tem muita gente um bocado... pronto.
Obrigado pelo conselho, quero segui-lo :)
Aproveito para dizer que este texto está mesmo muito bonito, escreves tão bem :)
Comovente, este teu post.
Arrepiei-me...
A saudade é algo estrondosamente pesado.
Beijinhos.
Porque os seus textos roubam me as palavras... sinto a saudade que se espalha aqui...
adorei o texto!
A terra adormece no nevoeiro
Tenho a pressa do vento
Um coração errante procura
A doçura de terno momento
Frágil e palpitante luz
A beleza voa com a manhã
O mar solta na terra ternos murmúrios
Perde-se na espuma toda a palavra vã
Bom domingo
Mágico beijo
Ao ler este texto reconheci toda a saudade que existe em quem perdeu um companheiro de toda uma vida.
Como aquela que a minha Aurora também sente, revelada na vontade sempre cumprida de o ir ver, todos os dias, no lugar onde repousa...
Beijinhos
Comovente.
As recordações bonitas dão textos destes.
pena que já haja tão poucos casais assim.
Gostei de haver um lençol assim na tua casa.
Também há na minha:)
Beijinhos
Olha... estou sem palavras!
Saudades! Pois. Eu também tenho muitas. Os meus já partiram há tantos anos!
De qualquer forma, continua sempre a olhar o banco do jardim.
Abraço
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