à minha frente os vidros. sujos, marcados pelas patas dos cães que gostam de os arranhar para se fazerem lembrar. tudo molhado lá fora. há uma bicicleta deitada por cima de uma trotinete, como se estivessem as duas desmaiadas. deitadas abaixo pelo peso da chuva que cai dos céus a intervalos regulares não dando tempo ao sol de secar o que ela molha quando sobre tudo desaba. barulhenta. inibidora. fria. a minha mesa está coberta de dossiers vazios. brancos. plastificados. olham para mim e eu para eles. não sei se tenho destino para lhes dar ou se vou simplesmente arrumá-los e esperar. calmamente. que alguém precise deles. que os procure nos recantos escondidos das minhas arrumações compulsivas. é que eu arrumo tão bem que acabo por me esquecer onde arrumei. é desesperante. ou não. também tenho jornais. daqueles gratuitos que os senhores distribuem nos semáforos. nas filas. metidos no meio do trânsito com coletes que não são reflectores mas deviam ser. com bonés nas cabeças. detesto bonés. acho-os pirosos. detesto adultos que usam bonés. não sei porquê. não gosto. é como as camisolas de alças. ou sem mangas. nos homens. também tenho uns livros com umas fotografias giras de barcos. barcos que parecem casas. quase mergulho nas páginas destes livros. o mar está lá. mesmo apetecível. e os barcos parecem mesmo casas. acho que até ia gostar de viver num barco. o pior seria em dias de tempestade. desconfio que o balançar e a ameaça de inundação/afogamento me poria em pânico. a procurar um tecto em terra. tenho destroços deixados pelos meus filhos por todo o lado. há livros e dicionários. os dicionários não são apenas livros. são o livro dos livros. o livro onde vivem as palavras e o que significam. as palavras em que se desdobram todas elas. para serem muitas as palavras que podemos escolher para escrever. há compassos. há réguas. há aristos. exercícios de geometria descritiva em cima de uma cadeira de bébé. saberiam os meus bébés que algum dia iriam usar a cadeira onde se sentavam para comer à mesa com a Família para acumular cadernos e livros de estudo. não me parece. mas esta cadeira acompanha-nos há quase dezanove anos. já abrigou rabinhos com fraldas presos à cadeira com fraldas de pano. já abrigou rabinhos sem fraldas que por já terem peso de gente, a faziam tombar para a frente. esta cadeira já tem 80 anos. agora é pouso dos livros que vêm na mão quando a mesa da casa de jantar é o ponto de estudo de todos. nos sofás ficaram os restos do serão de ontem. computadores. carregadores. mp3. livros. o Mateus acabou de ler o livro que lhe deram no Natal. estava contente. pediu ao Martim que lhe emprestasse outro. estou sentada. incapaz de decidir se faça desaparecer os destroços. incapaz de decidir. se calhar decido e arrumo os destroços dos meus Filhos. e espero que eles voltem. mais logo.
1 comentário:
Tá lindo, tá!!!
Chego à bonita conclusão que detestas-me!
Logo eu eu que adoro um boné de xadrez e que venero os chepéus de aba larga.
Vou pôr o Vekiki de castigo enquanto me lembrar!!!
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