Quando eu era miúda tinha dois pares de Avós. Um par muito diferente do outro, mas Avós.
E uma irmã. E depois um irmão.
Com a minha Irmã, eu brincava aos hospitais. Punhamos as bonecvas todas deitadas nas nossas camas, iguais, brancas com cabeceiras lacadas a laranja. As cadernetas de cromos eram a papeleta de cada doente. Eram radiografias e análises que interpretávamos com imensa atenção. Tínhamos seringas sem agulhas, luvas cirúrgicas e máscaras esterilizadas a sério. Equipávamo-nos a rigor e brincávamos. No nosso quarto compartilhado de irmãs. A nossa casa era quente. Um andar cimeiro de um prédio antigo de Lisboa. O nosso quarto tinha uma janela de parapeito com um estore verde que se puxava para fora em dias de muito calor, para fazer sombra e arejar o quarto.
No quarto ao lado tínhamos um piano que fingíamos saber tocar e matraqueávamos teclas durante brincadeiras inteiras.
Quando eu era miúda não havia televisão durante todo o dia, nem Internet, nem jogos electrónicos, nem telemóveis e eu e a minha Irmã brincávamos. Tínhamos dois telefones em casa. Sabe-se lá porquê...divertíamo-nos a ligar de um para o outro, atazanando a paciência da sra que lá trabalhava em casa.
Nas casas dos Avós brincávamos.
Uma das casas, andar mais cimeiro do que o nosso num prédio mais recente que o nosso, tinha um terraço enorme. Com uma vista soberba. De onde víamos o Areeiro à direita e quase o Martim Moniz à esquerda, o Cristo Rei também se via, e nós adorávamos brincar ali. Andávamos de patins, cantávamos e fazíamos espectáculos musicais inspirados no Festival da Eurovisão. Com esta Avó ouvíamos o Simplesmente Maria na rádio e íamos à modista. Escolhiam-se feitios em figurinos. Tiravam-se medidas. Íamos às lojas de tecidos e depois às retrosarias. Compravam-se tecidos, forros, fechos e botões, colchetes e molas. Era um mundo de acessórios coloridos armazenados em caixas de cartão, com exemplares do que guardavam cozidos por fora. De casa desta modista trazíamos sacos cheios de ameixas brancas e vermelhas que cresciam em árvores que tinha no quintal das traseiras. Dionísia. Era o nome dela.
Na outra casa, num primeiro andar de um prédio antigo de um outro bairro tradicional de Lisboa, brincávamos na casa de jantar. Com mobílias de brincar que pareciam mobílias a sério feitas em ponto pequeno. Debaixo da mesa, que tinha uma campainha que se premia com o pé para chamar a empregada, com quem não tínhamos autorização de passar muito tempo na cozinha. Jogávamos dominó e ao burro em pé. Quando o Verão chegava, os Avós faziam duas pequenas malas de xadrez vermelho e íamos para o Estoril. No Estoril brincávamos na rua, andávamos de bicicleta, íamos à praia durante a manhã e vínhamos para casa almoçar e fazer a sesta. A sesta era uma imposição destes Avós. Obrigatória e sempre motivo de beicinho. Encomendávamos bolos na Ribeiro, na Parede e bebíamos chá em tardes de receber visitas.
Quando eu era miúda, a Primavera chegava com dias ensolarados que nos enchiam as casas de uma luz e de um cheiro inesquecível.
Em Lisboa...
2 comentários:
ah adorei !memorias parecidas, tenho a certeza que ja nos cruzamos em lisboa algures :-)
eu não tinha bonecas , mas tinha carrinhos em miniatura, e berlindes,e caricas, e peões, e bolas,e corria pela mata efazia cabanas e subia as árvores, e bricava no verão até anoitecer e a minha mãe me chamar já zangada para jantar. E andava de bicicleta, e tinha amigos,ainda hoje os conservo e faziamos grandes asneiras que ainda hoje me pergunto como era possivel.E tinhamos galochas e chpinhavamos na água no inverno, em grades poças e faziamos barquinhos de canas para fazer corridas, e jogavamos as encondidas e a´bola e sei lá mais o quê.E andavamos de carrinhos de esferas, grandes corridas faziamos. Mais um texto muito bonito a fazer lembrar coisas boas.
Começo a ficar vaidoso(sorriso).
Bijinhos .
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