Podes não acreditar, mas já mudei de poiso umas quantas vezes.
Sinto-me inquieto. Não sei se é a Primavera que me confere esta agitação. Dizem que a Primavera e o Outono são estações propícias aos estados depressivos. Mas eu não me sinto depressivo...sinto-me inquieto...sem saber porquê. De mala ao ombro, lápis e caderno lá dentro, calcorreio as ruas da cidade em busca do ponto certo, do canto, da mesa, da cadeira. Subo e desço ruas das Sete Colinas. Nem eu sei bem o que procuro. Sei que tenho de escrever, de desenhar, de alinhar ideias. Faltas-me tu. É muito o tempo que passo sem te ver e isso causa-me ansiedade. Preciso de te sentir por perto. O cheiro do teu perfume, o timbre da tua voz.
Oh, que se lixe quem passa. Vou sentar-me no chão. Num passeio de calçada, na sombra de uma qualquer árvore cujo nome nem desconfio. Vou tirar o livro e ler. Aqui mesmo. Quem sabe se a inspiração não cairá em cima da minha cabeça qual maçã do Newton. Abro-o nas páginas que o marcador, que me trouxeste de uma das tuas viagens pela Europa, me recorda terem sido as últimas a ser lidas. As cidades. Tu adoras cidades. E adoras viajar, saltar de uma para outra, recolher imagens e pequenos detalhes. Como sinto a falta das tuas descrições empolgadas nas nossas noites silenciosas depois do amor. Eu, pseudo desenhador escritor, sedentário por natureza, avesso à aventura de "cair no mundo", bebo as tuas palavras. Por vezes penso até sabê-las de cor, de tal maneira me atento em ti. E tu aborreces-te. Dizes-me que não vibro com as tuas histórias, que apenas me hipnotizo por ti. Cansas-te de mim. Desapareces. Não foste feita para esta vidinha simples da cidade pequena e luminosa que te viu nascer. Tu és feita de espaço e de liberdade. Precisas de sair, ver pessoas diferentes, fotografá-las, conversar, rir e chorar com elas. Na cidade só está o oxigénio que vens buscar quando a tua reserva chega ao fim. E dura tanto! Quando os dias custam a passar, sem o teu corpo, a tua imagem, o teu cheiro e a tua voz, imagino-te outra. Imagino-te a que eu gostava de ter em ti apesar de saber que rapidamente perderia a magia. A sedentária, a calma, a que espera por mim ao final do dia, com um sorriso nos lábios e o cheiro quente de uma casa, de um lar. Não, contigo nunca nada será certo como o aroma dos cozinhados caseiros. Olha, começou a chover. Inacreditável a rapidez como o tempo alterou. Do calor dos últimos dias já nem o céu azul restou. Chove. Nas pedras da calçada e nas páginas do meu livro. Não me atormento. A chuva cala o desejo de ti. Olho o marcador do livro como se o visse pela primeira vez. Uma cidade que não conheço, como tantas outras. Não quero saber o nome, basta-me saber que andaste por lá, que ouviste falar uma língua diferente da tua, que aprendeste as palavras básicas para uma estrangeira. Aquelas que todos querem saber dizer, bom dia, boa tarde, obrigada, se faz favor. Sorrio quando me lembro das caretas que fazias enquanto descrevias o esforço de aprender uma língua tão estranha. Levanto-me do chão. Recomeço a caminhada que me trouxe aqui e não sei onde me irá levar. Preciso que venhas. A ansiedade põe-me louco. Os cigarros desaparecem uns atrás dos outros, numa combustão de papel e folhas, os pacotes de bolachas amontoam-se, a vida não faz sentido. Como é que alguém como tu se perdeu de amores por alguém como eu? Vejo o meu reflexo numa montra. Banal. A tua imagem está lá também. Extraordinária. Ou sou só eu que te vejo assim? Serei eu que te invento e tu não passas de uma imagem que persigo e nunca consigo tocar? Mostra-te. Mostra-me. Que não é a Primavera que me está a endoidecer. Que a esquizofrenia que invento não é mais do que o produto da minha cabeça desalinhada. Tu dizes que eu sou desalinhado. Como na música. Sem cor nem deus nem fado. Talvez tenhas razão. Eu sinto-me desalinhado. De ti, do teu caminho, da tua vida. Quando estás, pareces-me tão longe. Não te consegui acompanhar. Cresces a cada dia que passa e eu não passo daqui...
Uma porta aberta. Um café. Mesas redondas, tampos de mármore preto, mesclados. Cadeiras de ferro, brancas. Se aqui estivesses...iríamos entrar e sentar-nos. Pedir duas imperiais, pretas. Se aqui estivesses...iria dizer-te quanto sofro de cada vez que partes para conquistar o mundo que não queres perder. Se aqui estivesses...iria ser muito egoísta e pedir-te-ia que nunca mais me deixasses só. Se aqui estivesses...as duas cadeiras brancas, de ferro, viradas para mim, de dentro deste café, não estariam vazias. E tu estarias aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário