"Sempre que vejo nos noticiários da política e dos negócios alguns daqueles com quem tive 20 anos, pergunto-me se os nossos 20 anos terão sido um sonho ou se, como temo, é a mesquinha, quando não sórdida, actualidade que é um pesadelo dos nossos 20 anos.
Olhando agora alguns deles ninguém diria que tiveram um dia 20 anos. Mas tiveram. Eu vi. Eu estava lá. Cantei com eles as mesmas canções, jurei com eles pelas mesmas palavras desmesuradas, acreditei com eles nas mesmas coisas essenciais. Que aconteceu para que alguns de nós tivessem desertado tão facilmente e por um preço tão baixo, transformando-se naquilo contra que tiveram 20 anos e falando agora cinicamente de si mesmos como se falassem de estranhos?
Dante colocá-los-ia, como aos anjos que não foram rebeldes nem fiéis a Deus e pensaram só em si próprios, à porta do Inferno.
Eu não sou, porém, tão severo. Personagens (como todos, de um modo ou de outro, somos) de uma tragédia medíocre, a da "vidinha", às vezes dói-me vê-los desperdiçar tanto oportunismo em tão poucas oportunidades, a pôr a tanta falta de escrúpulos à venda sem haver quem a compre. E pergunto-me: não serão eles, no fim de contas, os mais sólidos e mais fiéis, não terão sido, afinal, os únicos que compreenderam e aceitaram?"
Manuel António Pina,
JN, 01.10.2007,
in JL, 2 a 15 de Junho 2010
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