Grafia

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sábado, 9 de outubro de 2010

Calvino, Palomar [ou como um Livro me salvou da pasmaceira]

Estou sentada à espera que uma qualquer ideia me atravesse o pensamento e me espicace, me ponha a escrever. Já coloquei imagens e reitirei-as logo de seguida. Já escrevi palavras que apaguei. Nenhuma delas me estava a fazer grande sentido. Levanto-me direita aos livros. Quando tenho estes acessos de não saber o que escrever e me dirijo aos meus livros, sei que não sou eu que os escolho mas eles que me escolhem a mim. Estranha esta minha mania de dar vontade própria aos livros, mas sinceramente acredito que os meus livros são capazes de me chamar a atenção quando preciso deles. [Ontem vi na televisão uma mulher que tem uma atracção sexual por objectos, chegando ao ponto de se "casar" com a Torre Eifell.] Umas das frases que tinha alinhavado tinham por sujeito o mar. Desisto de tentar. Tenho a cabeça demasiado cansada para conseguir escrever alguma coisa de jeito. Tenho mesmo de me socorrer dos meus livros. Com o indicador da mão direita, sigo as lombadas. Tiro um José Luís Peixoto. Leio algumas páginas avulsas. Enfio-o no seu lugar. Opto por um Italo Calvino. Abro-o e leio que me foi oferecido pelo meu irmão, no dia do meu aniversário, há 10 anos. [Cá dentro encontro também uma folha com um desenho infantil de um bolo de aniversário. Não está assinado. Não sei quem foi o autor. Desconfio das mãos da Catarina.] Não me lembro de ter lido este livro. Dez anos enfiado dentro de uma estante...
«A crista da onda que avança levanta-se num ponto determinado, mais do que nos outros, e é ali que começa a franjar-se de branco. Se isso acontece a uma certa distância da costa, a espuma tem tempo de se enrolar sobre si própria e de desaparecer de novo, como que engolida, para no mesmo momento tornar a envolver tudo, mas desta vez despontando de baixo, como um tapete branco que trepa pela praia acima para acolher a onda que está para chegar. Mas, quando se espera que a onda role sobre o tapete, verifica-se que já não há onda, mas somente o tapete, e mesmo este desaparece rapidamente, tornando-se uma cintilação de areia molhada que se retira veloz, como se fosse empurrada pela areia enxuta e opaca que faz avançar o seu limite ondulado
É o mar que me escolhe, nas palavras do senhor Palomar.

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