Eu, a minha Máquina e a minha Carrinha |
Nesta minha busca incessante pela perfeição, analiso cada um dos meus comportamentos. Analiso no momento do comportamento, analiso-o após o momento. Tento melhorar-me, o que nem sempre é fácil, porque não sou perfeita, porque há factores exteriores que influenciam a minha capacidade de análise imparcial, etc.
Esta manhã não havia pão suficiente para o lanche do Mateus. Ontem à noite deu-me uma pedrada de sono (talvez por ter emborcado um gin com água tónica antes do jantar...) que me incapacitou de deixar pão a fazer para hoje. Sem stress. No caminho que fazemos de casa para a Escola, passamos numa Panisol. Levo o fiambre e uma faca (oh bolas, estou agora a lembrar-me que me esqueci deles dento do porta luvas do carro...tenho de ir lá!), compro o pão pelo caminho e preparo o lanche quando chegar à porta da escola.
Em frente à Panisol há uma papelaria. Dentro da papelaria é suposto existirem cromos "da bola". Mateus nas nuvens. Anda a falar nos cromos desde sexta feira...
Deixamos os manos na Escola, voltamos para trás para o nosso caminho. À porta da Panisol, caos. Nem um único espacinho para estacionar durante cinco minutos a porcaria da carripana. Demos umas três ou quatro voltas ao quarteirão até conseguirmos estacionar. Eu já estava com a cabeça a andar à roda. Lá conseguimos um lugar. Comprámos o pão, ouvimos a frase que a sra da Panisol diz de cada vez que eu por lá apareço "então...avariou a máquina do pão...". Faço um sorriso amarelo. O Mateus explica que o pão não chegou para os pequenos almoços e para o lanche da escola (o Mateus fala sempre pelos cotovelos, diz o que deve e o que era escusado ser dito).
Atravessamos a rua e mergulhamos na papelaria. De carteira na mão, o "canocha" pede os cromos da bola e é com desgosto que ouve a resposta "não tenho, estão esgotados".
Regressamos ao carro. Uma nuvem negra de mau humor é visível sobre a cabeça mais do que loura do pequeno resmungão. Uma nuvem mesmo igual à que aparece sobre os personagens de banda desenhada quano dizem palavrões daqueles muito feios... Tento não deixar que a minha irritação se perceba no tom de voz em que falo com ele. Prometo-lhe que vou encontrar cromos.
[Ontem, ao final do dia, fomos assistir a um jogo de corfebol. O menino Mateus, que não é capaz de estar quieto cinco minutos, foi atraído fatalmente pelos colchões empilhados ao canto do ginásio. Foi dar cambalhotas. De óculos postos na cara. Resultado? ... partiu os óculos ao meio. Hoje teve de levar os antigos para a Escola.]
Estaciono à porta da Escola. Saco da faca e do fiambre e toca a arranjar as sanduíches. Do lado de dentro do gradeamento, duas coleguinhas do Mateus. A nuvem negra continua por cima da cabeça dele. Começa a resmungar contra as miúdas. O melhor é entrar na escola sem óculos, diz ele. Já estão a gozar comigo. Eu a tentar manter a calma, mas a não conseguir completamente. Como é que a ausência dos cromos te pode pôr de tão mau humor? Mas depois ponho-me a pensar. Ele tem nove anos, é pequenino, os cromos são parte da infância dele, são importantes, que direito é que eu tenho de estar a julgar o aborrecimento dele, que memória é que ele vai guardar destes dias de infância, o que é que irá contar quando fôr adulto?
Vejo-o entrar, mochila às costas, passo apressado, tira os óculos quando passa pelas miúdas que o espreitavam através das grades, elas vão atrás dele, eu venho-me embora. A pensar nele, nos cromos e nos óculos. A pensar nas recordações do passado contadas no futuro.
Confuso? Talvez.
Cansativo? Claramente.
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