Daqui |
A mulher percorre com os olhos as páginas do livro, que lê em pequenas doses, como um remédio que se toma com precauções especiais. Passa as páginas centrais. As folhas vão sendo em maior número do lado esquerdo do que do lado direito. As palavras que lê podiam ser sobre ela. Sobre a sua vida. Sobre a sua relação com os outros. Vê-se com menos 20 anos, vê-se com mais 40 anos. O livro desperta-lhe a consciência para as diferenças da consciência humana nas diversas etapas da vida. Não pára de ler, porque não consegue parar. Apercebe-se de que tudo é efémero e tão repetitivo. Não são exclusivamente suas as dúvidas que ultimamente a deixam ansiosa. Não são características suas as questões que não consegue deixar de colocar. Sobre o futuro. Sobre o passado. Sobre cada dia que amanhece. A mulher tem idade. Madura. A mulher não sabe se quer chegar ao dobro da idade que tem, porque tem medo do futuro que vem. A mulher sabe que nunca desejaria saber o futuro. Prefere que o presente a abafe do que o futuro a derrote mesmo antes de chegar. A mulher atinge o final do livro. Fecha-o. Demorou tão pouco a lê-lo que nem sequer lhe marcou a capa ou as páginas lidas. Escreveu e sublinhou algumas com um lápis de carvão. Guarda o livro. A mulher já não se sente tão só. A mulher não consegue encontrar conforto ao descobrir que tudo o que a atormenta não é exclusivo seu.
Adormece.
Sem apagar a luz.
Sem tirar os óculos.
1 comentário:
bom Vera, vou apressar o meu amigo para aquela apresentação que nunca mais chega, ainda vou a tempo de incluir esta. Belissimo texto, como sempre.
Bjs
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