Daqui |
Está sentado à secretária. Uma secretária irrepreensivelmente arrumada, mas carregada de diversos montes de papéis identificados. Hoje não lhe apetece mergulhar em tanto papel. Na cabeça acumulam-se preocupações, assuntos por resolver, questões pendentes. Na cabeça não precisa de colar post-its para as identificar. Apetecia-lhe ter um corrector suficientemente potente que apagasse tudo o que na sua cabeça lhe interrompe o prazer de uma vida feliz. É sexta feira. Pelo menos isso já o alegra um pouco. Isso e o facto de se aproximar uma pausa de três dias. Mentalmente planeia-os. Não lhe apetece sair e o tempo está do seu lado. Sentado de costas para uma janela, gira a cadeira e olha para a rua. O céu está cinzento e carregado, escuro como se o dia estivesse a terminar e não apenas a começar. O trânsito de entrada na cidade já está infernal. Ninguém sabe conduzir com chuva ou há carros a mais quando a chuva se lembra de aparecer? Ainda não conseguiu decifrar este mistério dos engarrafamentos associados à água que cai do céu. Em casa também tem pilhas de papéis que urgem arrumação. Os papéis. Malditos. Parecem crescer como cogumelos. E o tempo que não ajuda. O tempo que lhe escorre entre os dedos, que lhe deixa mais curtos os dias, que o impede de disfrutar do que lhe é agradável. Cada vez escurece mais. Vira de novo as costas ao caos da cidade, à chuva desalmada, aos relâmpagos e trovões. Precisa de trabalhar. Nada do que tem pendente se resolverá sozinho e enquanto a cabeça estiver ocupada com o trabalho, adormecerá as preocupações que não páram de surgir. Deita mãos ao trabalho. Lê, assina, "despacha" papéis, os montes vão diminuindo, os post-its vão deixando de fazer sentido. A escuridão, aos poucos, vai-se atenuando. O barulho da chuva parece ter diminuído e os trovões há muito que não se fazem ouvir. É sexta feira, véspera de fim de semana de três dias. Depressa estará de regresso a casa. Onde o sofá e o comando da televisão o esperam ansiosamente.
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