Daqui
A manhã pareceu-lhe pesada, pareceu-lhe um enorme pedaço de chumbo cinzento que se abatia sobre a cabeça, que lhe tolhia movimentos e pensamentos.
O dia ainda nem tinha começado e a sensação de fadiga já a abatia. Não via sentido no que tinha de fazer, no que sabia que a esperava.
Passava um mês. Um mês são 30 dias. Manhãs iniciadas cedo demais pelo som de um ou mais despertadores irritantes e impacientes. Dias corridos de um lado para outro. A vida a passar. Sem que houvesse momentos de pausa para os pequenos prazeres que ainda conseguia manter apesar da dificuldade dos dias.
Tão poucos momentos.
Tantas corridas.
Tantas tarefas.
Tantas exigências.
Tantas imperfeições.
A porta do quarto aberta. Deixando adivinhar o silêncio que ainda se espalhava pela casa. E ela sem conseguir mexer-se. Sentada na beira da cama. A cabeça virada para baixo, entre os joelhos. Como se estivesse agoniada e fosse vomitar. Apenas pensando em voltar para o esconderijo que era a sua cama.
Deixar-se ficar lá dentro.
Escondida.
Quieta.
Muda.
Silenciosa.
Esperando que ninguém desse pela sua falta no silêncio da casa que não acordava sem o seu movimento, a sua labuta, os seus passos escondidos em peúgas de lã.A porta. A porta, objecto que serve para fechar uma divisão, para a separar de outra. A porta que não queria ultrapassar, que não queria compreender aberta, estava lá. Não havia réstia de luz e o dia continuava chumbo.
Reagiu e levantou-se. O corpo a pesar mais do que os ossos conseguiam suportar, a cabeça a sentir, a pressentir o que não sabia.
A casa a acordar. As luzes eléctricas a lutarem com o céu chumbento. Os ruídos. Os passos. As vozes. A água a correr das torneiras, livre, capaz de decidir o seu rumo. A vida a retomar o ciclo de mais um dia.
Deixou-se ir.
Afastou da cabeça o que o pressentir lhe tornava mais pequeno o coração.
E cumpriu tarefas.
E horários.
E mais tarefas.
E sorriu para quem por ela esperava.
E planeou.
E correu a cumprir mais tarefas.
Até que o telefone tocou.
As palavras saíram disparadas do outro lado.
Secas.
Sem emoção.
Duras.
Atingiram-na no peito. Tiraram-lhe o ar. Feriram-na de morte. Logo a Ela. A mais forte, a mais capaz de resistir a tudo, de lutar por tudo, de seguir em frente. Fugiu daquele lugar. Saíu por outra porta. Uma porta fechada, uma barreira isolante, isoladora do exterior. Chorou. Reconheceu naquele momento o pressentir que desde manhã transportava consigo e, mais uma vez, nesse dia cinzento, quis refugiar-se no seu quarto. Naquele com uma porta não fechada, semi-aberta e convidando à saída...
1 comentário:
há dias assim, e, mesmo com a porta aberta nunca saímos. é como se tivessemos íman.
e depois, esses dias passam, um atrás do outro, um atrás do outro...
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