Não a saberia dizer, letra por letra. Sabia que ela existia, algures dentro de uma caixa fechada, escondida num local recôndito de si. A Palavra Mágica era uma palavra que ao ser dita transformava a face dos dias e, por esse motivo, não podia ser dita vezes repetidas, a propósito de tudo. Ou de nada. Insistir em dizê-la, retirar-lhe-ia o seu poder, a sua magia. De tempos a tempos, ousava retirá-la da sua caixinha e lembrava-se de Pandora, do risco que o mundo correria se ela ousasse abrir a sua caixa. Mulheres. O pensamento feminino, um perigo para toda a ordem. Nesses tempos em que deixava que a Palavra Mágica viesse ver a luz do dia, os dias vestiam a cor branca. Luminosos, pacíficos, inspiradores da calma que ela buscava em cada dia dos outros, daqueles em que a Palavra Mágica descansava na sua caixinha. Gostava de pensar que a caixinha estava arrumada numa gavetinha do coração, porque o coração tem cavidades e veias e artérias que percorrem todo o corpo. O local certo para a Palavra Mágica era mesmo esse, o coração. Também porque se diz que o coração é o responsável pelos sentires. Provavelmente será uma metáfora, porque o que faz o coração para além de bombar sangue de um lado para outro? Mas sim, o sangue cheio de oxigénio é o que dá ao corpo a vida, e a vida inspira os pensamentos, traz ideias ao cérebro. O cérebro, coitado, de aspecto cinzento, esponjoso e algo enrodilhado, como um esfregão velho da cozinha, como poderia ser ele o responsável pelos sentires? Não, nunca. A Palavra Mágica, a que veste de branco os dias e ilumina de cor as ideias e os sentires, tem de estar guardada algures no coração vermelhinho, pulsante e laborioso. Está de certeza lá, mas não é a mesma todos os dias. Há dias, quando o sol brilha e os pássaros cantam desenfreados do alto dos seus ninhos, lá fora no jardim, em que a Palavra Mágica nem quase precisa de sair. Basta ser pensada. Paz. É a palavra destes dias perfeitos. Nada pode correr mal quando a própria natureza está plena de felicidade. Depois, há aqueles dias em que o Sol se esconde envergonhado por detrás de nuvens esparsas no céu azul. Os pássaros recolhem ao calor do ninho ou saem a correr em busca de paragens mais sorridentes. Nesses dias, a Palavra Mágica sente que precisa de se mostrar. Sai sorrateira da sua caixinha na gaveta arrumadinha do coração e larga as suas letras. Solta-as uma por uma, para que se dispersem e encham de Sorrisos o dia, os momentos. As nuvens esparsas envergonham-se perante tanto sorriso e desaparecem, deixando que o Sol brilhe e se reflicta em lagos e mares, em vidros e pessoas. Nos dias em que outra palavra, a Tristeza, se instala e quebra as forças, a Palavra Mágica transforma-se. Usa os super-poderes que o coração lhe transmite quando a inunda de oxigénio puro e como se fosse um tornado, gira em torno de si própria com toda a força e espalha-se pelo corpo em mil e uma partículas de Energia. Ao pensar em tudo isto, realizava que a sua Palavra Mágica não era sempre a mesma palavra...e sorrindo percebia, mais uma vez, a força que cada uma das palavras da sua língua tinha em cada momento da sua vida. Isto fazia-a amar mais e mais as palavras que ia aprendendo, todos os dias. Sabia que tinha aquela caixinha dentro de si e isso tornava-a mais segura, mais confiante, acompanhada mesmo nas alturas em que não havia ninguém por perto para lhe fazer companhia. Passavam-se muitos dias sem que lhe desse uso, passavam-se outros muitos dias em que a trazia para fora todos os dias. A Palavra Mágica era a sua melhor Amiga, a sua Consciência, o seu Ser.
E essa percepção fazia-a Feliz.
1 comentário:
lindo... muito lindo
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