Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Morreste-me, José Luís Peixoto


"E não quero e não posso esquecer o que outrora senti do teu olhar. Pai, fiquei no silêncio do inverno que abraçaste. Não há primavera se não imaginar erva fresca das palavras erva fresca ditas por ti; não haverá verão se não imaginar o sol da palavra sol dita por ti; não haverá outono se não imaginar o fundo do esquecimento da palavra morte dita nos teus lábios. Por isso, pai, no ar, o silêncio de ti é sofrer, no tempo que passa, no ar, no tempo que não passa já. Não passa o tempo, sustentado na mentira das coisas pequenas falsas que só já mudam de lugar, que apenas se sucedem, que unicamente tomam o sítio umas das outras, a mentirem, deixando rasto, restolhando o seu caminho com patinhas de rato entre os arbustos secos mortos e os arbustos verdes viçosos: e nasce o sol do ocaso último que morreu contigo; e brisas fingem as brisas verdadeiras que te tocaram o rosto; nem as nuvens nem o firmamento são os mesmos: apenas mentiras a substituírem mentiras a cada momento que não passa. Faltas tu a levar o tempo. Falta o teu olhar a guiar-nos se a chuva nos puxa. Pai, ter a tua memória dentro da minha é como carregar uma vingança, é como carregar uma saca às costas com uma vingança guardada para este mundo que nos castiga, cruel, este mundo que pisa aquele outro que pudemos viver juntos, de que sempre nos orgulharemos, que amámos para nunca esquecer.
Descansa, pai, dorme pequenino, que levo o teu nome e as tuas certezas e os teus sonhos no espaço dos meus. Descansa, não vou deixar que te aconteça mal. Não se aflija, pai. Sou forte nesta terra nos meus pés. Sou capaz e vou trabalhar e vou trazer de novo aqui o mundo que foi nosso. Vou mesmo, pai. O mundo solar. Reconhecê-lo-ei, porque não o esqueci. E também o tempo será de novo, e também a vida. Sem ti e sempre contigo. A tua voz a dizer orienta-te, rapaz. Não se apoquente, pai. Eu oriento-me. Pai, não se preocupe comigo. Eu oriento-me. E vou. Anoitece a estrada no que sobra da manhã. Chove sol luz onde está o que os meus olhos vêem. A carrinha grande que prometeste, planeaste para nós, que ganhaste a trabalhar meses, leva-me. Onde estás, pai, que me deixaste só a gritar onde estás? Na angústia, preciso de te ouvir, preciso que me estendas a mão. E nunca mais nunca mais.Pai. Dorme, pequenino, que foste tanto. E espeta-se-me no peito nunca mais te poder ouvir ver tocar. Pai, onde estiveres, dorme agora. Menino. Eras um pouco muito de mim. Descansa, pai. Ficou o teu sorriso no que não esqueço, ficaste todo em mim. Pai. Nunca esquecerei."
Para a Loira, que não conheço...sem mais palavras...

2 comentários:

Patty disse...

Obrigada pelo post, mesmo não me conhecendo conseguiste traduzir, nas palavars de outros, tudo aquilo que senti ontem...
Ontem foi um dia em que me faltou algo, faltaram-me as suas palavras, o seu carinho, as suas piadas...enfim faltou-me cá ele ... mas por outro lado ele esteve aqui comigo (que raio de sentimentos tão contraditórios)!
Fizeste-me ficar com uma lagrima nos olhos... e por aqui me fico :)

Peninha disse...

... apesar de o post ser dedicado à loira tenho a dizer que o texto é muito bonito e tenho a certeza que a loira adorou!!!
No entanto e porque estou relativamente perto da loira queria só corrigir uma coisa: Ela não ficou com uma lágrima nos olhos... nada disso... neste momento estamos todos de galochas aqui na sala e já só saímos daqui quando a fragata da Armada Portuguesa nos vier buscar tal são as cheias!!!!
Beijinhos para a Loira e para a Vera, que apesar de não conhecer já faz parte da família de assíduos bloguistas e que de certeza vou conhecer quando um dia fizermos um jantar de confraternização denominado "Os Cinco e os Amigos... da blogosfera"

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