Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Conversa na Solidão

Trouxe-o daqui


Apareces para tomar um chá? Tenho saudades de o beber contigo. Tu sabes, sou muito dado a saudades, incorrigível no que toca aos sentimentos, às pessoas, às coisas de que gosto. Tenho bebido chá, mas sozinho. Sempre sozinho. Faço tudo como se estivesse à espera de alguém. Ponho a mesa com o requinte que me conheces. O bule é sempre o que me deste. Trouxeste-o da Índia, acho eu. Já não me lembro bem. A solidão tem destas coisas. Começamos a trocar as memórias, a misturá-las com as que inventamos. As que não são memórias, são simples ideias que nos atravessam o cérebro e que logo armazenamos para que não nos escapem, para que nos façam pensar que vivemos mais do que a realidade. A mesa é a de braseira. Nesta altura do ano não prescindo de sentir aquele quentinho. Sento-me ali durante horas. Os meus livros, os meus jornais, os meus cadernos. Cada vez mais vazios. Cada vez mais cadernos. Não percebo porque insisto em comprá-los. É uma espécie de pulsão. Vejo-os e tenho que os ter. Depois quando os vejo aqui acumulados...está tanto frio...sabes que a solidão mata? Invento estes chás, para inventar que vou ter companhia. O que é que andas a fazer? Porque é que não apareces para tomar chá comigo? Cansaste-te não foi? Tens razão. Que interesse poderei eu ter para ti? Tu, com a tua vida agitada, os teus amigos, os teus jantares, o teu trabalho absorvente e de responsabilidade. Eu, aqui, na minha varanda, na minha mesa, com os meus livros, os meus jornais e os meus cadernos, cada vez mais cadernos. Olho através dos vidros e vejo o tempo passar. Lento mas rápido. Como se fosse possível tal contradição. Como se o tempo pudesse ver-me e também ele fugir de mim. Acreditas que há pessoas que têm este condão de se sentir sempre sós, de não conseguirem manter-se acompanhadas? Pudesse eu mudar o rumo da vida e seria igual a ti. Não me deixaria prender por ninguém. Seria livre. Tomaria a rédea da minha vida e seria o único a ditar as regras do meu jogo. Não, não seria capaz...vês? Lá estou eu a inventar. Daqui a bocado já não sei se vivi mesmo este momento...sabes que a solidão mata? Aos poucos, por dentro, vai roendo tudo e deixando o vazio.
Apareces para tomar um chá comigo? O bule já está em cima da mesa.

6 comentários:

Júlio disse...

Não sou muito apreciador de chá, mas o 'cerimonial', e tudo aquilo que roda à volta do chá, como aqui descreves, dá vontade de tomar um cházinho, dá.
Esta atmosfera de chá, livros e cadernos é mesmo aconchegante. Principalmente para uma pessoa que está só em casa e não tem um chá para fazer depois de ter ficado a ler até às cinco e meia da manhã.
**

pensamentosametro disse...

Bonito.

Mas chega de tanta melancolia, toca a arejar, sair para a rua e dar uma olhadela ao mar. Sentes a maresia a pesar-te nos cabelos? Claro que sentes.

Um dia luminoso ainda que o sol teime em não brilhar.


Bjos


Tita

Brunorix disse...

Se isto é um dos seus treinos, não está nada mal! :) Também gosto de ler por aqui!

waterfall disse...

Senti-me na tua solidão. Há momentos em que me sinto. Felizmente não dura sempre.:)

Si disse...

E eu que ainda não tinha visto este convite??
Logo eu, a chazeira do bairro!!
Ó vizinha, cá estou, para tomar um chá, para ler um livro, para aquecer os pés na braseira, que os trago sempre geladinhos, geladinhos!!
As ervas, cá estão, bem secas e perfumadas. Tem a água ao lume??

BlueVelvet disse...

Há textos que escreves que podiam ter sido escritos por mim.
Logo eu que ando todo o dia de caneca de chá na mão...
Mas este post, embora fe de chá a mensagem subjacente é a solidão.
Ou eu senti-o assim.
Belo.
Beijinhos natalícios

Blog Widget by LinkWithin