A minha Máquina noutras Mãos, Lisboa
Regresso à minha cidade. Num dia cinzento e cheio de pequenas gotas de chuva, parecem cabeças de alfinete a cair do céu. Nem mesmo isto me faz desgostar de uma cidade de ruas estreitas, forradas de paralelepípedos escuros e escorregadios. Aconchego-me numa casa própria de quem vive só, rodeado de ideias, livros, pintura, desenhos e música. Abstenho-me. Abro as portadas de madeira e detenho-me no verde das árvores através dos vidros. Ignoro o frio, a humidade, o desconforto. Abro a janela e embrenho-me na paisagem e no corpo da cidade. Não há ruído. Apenas o ping ping da chuva que me sossega o espírito, como se conseguisse com aquele som repetido lavar-me os pensamentos, arrastá-los numa corrente, levá-los para longe de mim. Como se os afogasse. Quase os vejo a pedirem-me que os socorra, que não os deixe ir nestas gotas de água demasiado poderosas. Impeço-me de lhes obedecer. Resisto-lhes. Peço-me a mim mesma que os abandone e deixo-me fascinar pela sensação agradável do vazio. Instalada numa solidão boa, diferente da minha solidão diária acompanhada. Agrada-me a sensação de ser capaz de gerir a solidão absoluta, o viver individual. Acompanha-me o som das vozes que debatem ideias, conceitos, pensamentos. Também eles me aconchegam e, de repente, percebo o quanto me fazem falta. O quanto me agrada o estudo do pensamento de outros. Percebo que preciso desesperadamente de fazer parte do Mundo!
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