Máquina de Escrever oferecida pela O2
A boca ia aos poucos transformando-se num fio, quase imperceptível num rosto fechado. O sorriso desaparecia a cada dia que passava, sinal exterior da secura que se instalava no interior. No pescoço a pele começava a perder a elasticidade de outrora e, dentro dele, a voz calava-se, encerrada na garganta, capaz de explodir e fazer alardo do que não era bonito de se ouvir se cá para fora saísse. Desiludida ou a desiludir? Não podia definir. O corpo acompanhava a tristeza. Limitava-se aos movimentos obrigatórios, aos passos necessários, ao que devia ser feito. E os olhos. Os olhos, espelho da alma, transmitiam a tristeza imensa, a dor profunda, o vazio. Mesmo quando a linha da boca se transformava num semi-círculo, imperfeito, os olhos continuavam a implorar por algo que os fizesse brilhar e sorrir também. Tapava-os. Óculos escuros que escondiam a tristeza e lhe punham vida no rosto. Dentro da cabeça, no cérebro onde dizem que tudo se passa e que tudo comanda, a actividade não parava e a felicidade existia, mas eram como um sonho que se vai sonhando noite após noite e que termina quando se levanta a cabeça da almofada. Durante o dia a tristeza era visível mas disfarçável. O trabalho mantinha-a encerrada nas quatro paredes que a ela o cérebro e, principalmente, o coração reservavam. Pior era quando a noite chegava. O repouso obrigatório dos corpos e dos pensamentos. O período do descanso, da intimidade, do sossego. À noite, quando a hora de recolher não mais se podia estender, a cabeça inquietava-se. O corpo cansado do dia, a cabeça a desejar algo mais que uma noite de sonhos impossíveis de realizar, deitava-se, sobre o lado direito. Duas almofadas. Uma das mãos por baixo de uma delas. O corpo semi encolhido, no lado direito da cama. Em silêncio. Já não se lembrava do dia em que tudo tinha mudado ou porque tinha mudado. Em que altura da vida tinha deixado de acordar a cantar e a assobiar como era seu costume, desde miúda. Em que altura da vida comçara a sentir o cansaço na hora em que se erguia da cama de manhã. Já não sabia qual o sentido do que acontecia em seu redor. Sabia porque se mantinha ali mas sabia que aos poucos estava a desaparecer. Como se o seu eu morresse todos os dias um bocadinho. Não era uma pessoa que ali andava. Era apenas um ser. Um cuidador de outros seres que de si dependiam. Não desistira ainda de si. Acreditava que um dia havia de mudar tudo. Tinha de mudar tudo! E quando os silêncios em que vivia eram enormes, escuros, pesados demais para os seus ombros demasiado fracos, estreitos, saía. Saía para a rua. Para o Sol. Para a Chuva. Para o Frio. Pouco importava o tempo que fazia lá fora. Qualquer coisa servia para lhe aligeirar o silêncio e o vazio.
1 comentário:
O teu texto é profundo, como o mar, faz lembrar um rebentar de onda em pleno por do sol... resumo de vida.
Não posso deixar de agradecer mencionares o meu blog claro... pq sei que foi com carinho.
:)
Bj
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