Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Son(h)o


O escritor adormeceu. A cabeça caída em cima das folhas rabiscadas, dactilografadas, corrigidas. A máquina de escrever, com a folha metida no rolo. O escritor não gostava do computador enquanto criava. Para ele, o matraquear das teclas da máquina era inspirador. Precisava de apagar? Não fazia mal, pegava no lápis vermelho e riscava. O computador tornava-lhe demasiadamente fácil a criação. Corrigia-lhe erros, dava-lhe liberdade para apagar e voltar a escrever infinitas vezes. O escritor não gostava. Habituado a escrever ao correr da pena, impacientava-se consigo próprio quando se punha a hesitar. O escritor adormeceu. De exaustão de noites seguidas em branco. Na cabeça e no papel. Sabia que não podia exigir a si mesmo a criação contínua, mas angustiava-se sempre que as ideias não vinham. Perdia o sono. Saía da cama para se vir sentar à frente da máquina, sempre na esperança de que o simples olhar para as teclas lhe imprimisse a inspiração de que necessitava. O escritor dormia. Com os braços cruzados sobre a mesa. A cabeça deitada de lado. Dormia um sono agitado pelo medo, pelo pesadelo de nunca mais ser capaz de escrever uma palavra. No sonho via-se a si próprio um homem diferente para quem as letras e os instrumentos de escrita eram apenas imagens. Queria tocar-lhes, agarrá-las, fixá-las à sua vida mas não conseguia. Elas fugiam. As palavras animadas pela liberdade de não serem inscritas numa folha em branco, esvoaçavam. Todas tomavam a forma das palavras riso, troça, gargalhada, fuga. E o escritor, desatinado no seu sono agitado, entendia-se. Perdoava-se. A exigência e a dureza que a si próprio dirigia, amolecia. O escritor passa do sono à vigília. Os olhos semicerrados abrem-se para a claridade do dia. Com a cabeça ainda deitada vê a sua velhinha máquina de escrever. Silenciosa. Pacífica. Ansiando por sentir aqueles dedos. Ansiando pelas palavras nascidas da batida. O escritor acaricia as teclas. Sorri. Vai voltar a escrever. Vai escrever todos os dias da sua vida...

3 comentários:

Filoxera disse...

E eu vou comentar, sempre que puder...
Beijos.

Saltos Altos Vermelhos disse...

escrever é um vicio!!! e fazer dele a profissão é uma benção! :)

Anónimo disse...

Para quem como eu tem o bichinho da escrita...este texto explica maravilhosamente o processo que nos consome.
Obrigada pela visita ao meu cantinho da internet, Vera-entraste tal qual um raio de sol desse nosso país delicioso. E podes escrever na língua de Camões à vontade! Eu só o escrevo em Inglês porque é essa a língua diária em que escrevo já la vão quase 23 anos. Xoxo, Isabel

Blog Widget by LinkWithin