Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Bucholz, O Fim


Sou apaixonada por livros. Lombadas alinhadas, empilhadas, capas direitas e sem vincos, páginas nunca dobradas nos cantos, o cheiro que exalam quando se abrem pela primeira vez. Sendo apaixonada por livros, sou também apaixonada por livrarias e é com o estômago revolto que vejo livros a serem vendidos em grandes superfícies, tendo por vizinhos as rações para animais e os produtos sazonais. Que a cultura deve chegar a todos, não o discuto, mas que chegue a todos em sede própria não se fazendo dela mais um exemplo a encaixar no dito "Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé".

No sítio onde resido existe apenas uma livraria. Até há pouco tempo atrás, era um espaço pouco convidativo, escuro e desarrumado onde os livros se baralhavam uns nos outros como se de fios de lã se tratasse, sendo quase impossível encontrar alguma coisa no meio daquela desorganização/escuridão. Foi renovada, reorganizada, mas continua a ser um espaço quase sempre vazio de clientela.

Em Lisboa, quando trabalhava fora de casa, havia duas livrarias que visitava quase diariamente pela proximidade do meu local de trabalho - a do Diário de Notícias, na Avenida da Liberdade e a Bucholz na Duque de Palmela. Espaços de características diferentes mas onde se passava a hora de almoço desfolhando novidades, acariciando livros. A Bucholz era um espaço quase mágico, com uma envolvência de "casa". As madeiras, a escada, os degraus que rangiam, os sofás, o piso da música. Quando ali entrava sentia que podia parar o tempo. No último sábado, este espaço cultural encerrou as portas.

Não sei se se poderão ou deverão atribuir culpas a alguém sobre a forma como é (des)tratada a cultura no nosso país. Faz-me pena ver que estes espaços que deveriam ser apoiados e mantidos como pontos obrigatórios e carismáticos de uma capital europeia se deixam afundar nas redes das dificuldades financeiras, da falta de dinheiro para sobreviver. Não são só as Famílias que vivem em dificuldades e no limiar da pobreza (encapotada). Também estes espaços, feitos de muitas mais páginas do que aquelas que têm venda garantida e êxito imediato se tentam manter na sua dignidade até ao dia em que já não conseguem mais disfarçar a dificuldade da sobrevivência. Inquieta-me saber que o nosso ensino não conduz pessoas ao gosto pelas artes, pela escrita, pela música. Preocupa-me constatar que as leituras são consideradas "seca" e que se algum dia se ganha esse gosto estranho por ter entre as mãos um monte de páginas dactilografadas em vez de um teclado de computador, talvez esse dia já venha numa idade em que muito já se deixou para trás e se perdem leituras que nunca virão a ser feitas.

Como em maior parte das coisas que me incomodam, também para esta não tenho solução. Sei que é urgente repensar a escola e as coisas da cultura em Portugal, sob pena de em poucas décadas perdermos toda uma tradição de pensamento, de reflexão e de luz que já foram característica do povo (pequenino) português.

1 comentário:

Kat disse...

Pela não proximidade dessa livraria da minha zona de trabalho, nunca lá tinha ido.
Fui na passada 5ª feira e verifiquei com tristeza que as madeiras de que falas, mesmo no fim, quase vazias, transmitem ainda essa sensação de que poderem parar o tempo. E o tempo parou!
Deambolei e por entre os restos de livros que por lá se vendeu, nesta última semana, ainda comprei alguns para ofertar. Subi e desci aquelas escadas e verifiquei que realmente deveria ter sido um bela Livraria. Menos uma na Cidade.
Kat

Blog Widget by LinkWithin