Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

De [re]Viver

Dia 1.
Quando descobri o distanciamento

Uma vida inteira assim. Os mesmos gestos, as mesmas rotinas, as conversas de ocasião. É possível viver assim. Em silêncio, porque os silêncios, como muros, se foram erguendo entre nós, emparedando janelas que mantinhamos abertas e que agora não somos capazes de reabrir. Quando ainda as conseguíamos abrir, faziamo-lo para que o ar que respiravamos fosse o mesmo. Agora, desejamo-las fechadas mas não o dizemos alto. Preferimos que o distanciamento não se diga, porque é essa a função da palavra. Pôr a pairar no ar aquilo que se sente, tonando-o visível, demonstrável, público, e nós não queremos que o nosso distanciamento se exponha aos olhos, ao entendimento de todos. Como sobreviveríamos se o fizessemos? Como poderíamos desculpar-nos por termos deixado o silêncio instalar-se entre nós? Matar-nos. Num momento iríamos soltar palavras de culpa que, vestidas de espadas afiadas e desembainhadas num segundo, cortariam os poucos fios que conseguem ainda unir-nos. Ténues. Quase invisíveis. Quase tão finos quanto os que a aranha tece para a sua teia. Os nossos olhos, desabituados de mergulhar nos do outro, chorariam lágrimas de infelicidade, de fim, ou apenas da frustração que se eleva do facto de não termos sabido manter-nos unos. Cá dentro, as emoções formariam turbilhões de dor, retorcendo entranhas, provocando vómitos e desmaios. E nós. Despidos da dualidade que queríamos manter sentir-nos-iamos amputados e perdidos. Sim, é possível viver uma vida inteira assim. Alojados num conforto aparente, desalojados dos afectos. Mas será esse o meu caminho?

Dia 2.
Antes de...[Quando descobri o distanciamento]

Vejo-te chegar. Sorrio. Reconheço-te na juventude vigorosa, no sorriso sempre aberto, na vontade indomável de fazer coisas, de ir. Rendo-me ao teu interesse por mim, às tuas atenções, sempre constantes e presentes nos mais pequenos gestos, nos dias mais banais. Entrego-me [-te] de forma consciente e calma, distante da entrega da paixão que queima corpos, seca bocas, faz doer. Dizes que me amas. Repeto-lo e acredito, sorrindo. Entrego-me [-te] sem a fremência do desejo e alcanço a paz. Estou segura, protegida pela certeza das tuas decisões, pelo conforto do teus braços. Tornamo-nos Um e caminhamos a par...

Dia 3.
Quando descobri o distanciamento

Sinto a paixão a queimar-me, a invadir-me, a devorar-me. Não te aproximes de mim. Nas tuas mãos, nas tuas certezas fui secando. Tal como as folhas que se soltam das árvores em tardes invernosas de ventania, também eu me soltei dos teus ramos, mas enquanto as folhas morrem sem a seiva que corre nas árvores, eu renasço ao soltar-me. A minha seiva renova-se, circula e faz-me acordar. A paixão acorda-me para a verdade que há tanto tempo escondo a mim própria. De repente percebo que a vida em mim existe. De repente a paixão toma conta de mim, põe-me um nó na barriga e desalinha-me a vida. Faz-me cantar, sorrir e amar perdidamente. E quando amainar deixa a sensação de que a vida está ali, ao meu alcance, que da próxima vez que me invada, será para ser vivida, "no matter what". O distanciamento. Mata. E eu quero viver.

2 comentários:

Mr. Me disse...

É tão profundo que abstenho-me de compreender e comentar a essência. Não será tão linear quanto parece - imagino.

Any way, mais uma excelente prova dessa tua capacidade inconfundível de escrever.

:)

beijinho!

Kat disse...

Distanciamento é a palavra. Uma já está. Só faltam onze.
Gosto do conteudo e estranho a forma.
Belo começo, agora é só ganhar andamento para a próxima. ;)
Kat

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