Grafia

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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Biografia [na 4ª década]


Viajei em Lisboa sem rede, que é como quem diz, enfrentei sozinha medos que podem parecer completamente desprovidos de sentido se forem atribuídos a uma pessoa da minha idade e que sempre viveu em Lisboa, que cresceu em Lisboa, que aos 10 anos andava sozinha de metro de casa para a escola e vice-versa.
A cidade mudou imenso na última década e foi precisamente há uma década que eu a deixei de frequentar diariamente, trocando-a pela pacatez de uma língua de terra paralela ao mar, onde tudo se passa devagar (ou relativamente devagar) e onde controlo tudo. Lisboa deixou de ser uma zona de conforto e passou a ser uma zona de desafio. O metro, que eu dominava, onde eu entrava a ler e saía a ler, subindo e descendo escadas quase automaticamente sem levantar os olhos das páginas, passou a ser um local onde é preciso estar com atenção a cores, mudanças de linha, novas paragens, novos destinos.
Viajar sem rede foi viajar sem a companhia de ninguém que tenha vivido a mudança e que me guiasse.
Hoje, ao fazer a leitura diária dos blogues, parei no Nocturno. A reflexão sobre a dependência/independência despertou em mim a vontade de reflectir e escrever sobre estas características que cada ser humano tem e que o tornam distinto em relação aos outros. Fez-me pensar em mim enquanto pessoa (se não é já isso que faço todos os dias quando aqui me sento a escrever, correndo o risco de me tornar cansativa, obsessiva, desprovida de imaginação...) e quais as mudanças que tenho observado em mim mesma ao longo dos anos e das situações de cada momento. Nunca fui uma pessoa dependente. A educação é a base de qualquer ser humano. Acredito nesta minha verdade. A educação que recebi dos meus Pais foi uma educação de responsabilidade aliada à confiança, pois uma não pode existir sem a outra. [Desde muito pequena que me deslocava sozinha pela cidade, a pé e de metro. Desde muito nova que ficava sozinha com os meus irmãos mais novos, de férias, aqui nesta zona, enquanto os nossos Pais estavam em Lisboa a trabalhar.]
Cresci independente e responsável e acho até que foi essa vontade de ser independente que me fez começar a trabalhar tão cedo e a deixar a Faculdade pela primeira vez. No entanto a vida não é uma recta, uma linha onde se põe um pé à frente do outro e se anda em equilíbrio, sempre em frente. A vida é uma linha, sim, no sentido do seu início e do seu fim, mas uma linha que se vai enrolando e desenrolando e nos obriga a voltas e reviravoltas, sempre em equilíbrio. [Pelo menos, no meu caso tem sido assim.] A minha independência foi transformada em semi-independência, pois se é verdade que me basto a mim mesma para tudo o que faço diariamente, não me basto a mim mesma economicamente. E a tese de que fala a Luísa, sobre a alteração da nossa biografia pela 4ª/5ª década da vida, é uma tese que subscrevo por inteiro. Se por um lado os quatro anos que já levo da minha 4ª década de vida têm sido anos de encontro, também têm sido anos de muitas questões, de muitas dúvidas, de muita vontade de mudar sem saber por onde iniciar a mudança. Sinto-me agora, como não me lembro de me ter sentido na altura própria, a viver uma fase de adolescência em estado puro. As características que definem os adolescentes quase se podem aplicar a mim pela proximidade de sentimentos que envolvem.
Ontem, ao andar sozinha em Lisboa, sem ter ninguém por quem olhar, a quem ter de dizer cuidado, senti-me de volta a mim. À pessoa com quem estava habituada a viver e que há muito tempo perdi de vista.

3 comentários:

Belita disse...

és muito mais do que aquilo que te consideras!

Luísa A. disse...

Esse é um passo muito curioso, Vera. Aquele em que, depois de uns anos de «anulação», imposta pela maternidade – há mães que não se «anulam», mas eu «anulei-me» completamente - começamos, devagarinho, a regressar a nós próprias, a reencontrar os nossos pequenos prazeres juvenis ou a descobrir outros, mais amadurecidos mas, de novo, só nossos. :-)

Luísa A. disse...

Obrigada pelas referências, Vera.

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