Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Trilhos

Esta veio daqui

Subo-a. Sigo o trilho que outros antes de mim foram abrindo nesta terra. Vegetação espessa e cerrada. Terra escura e dura, pejada de calhaus, ramos e raízes que vêm à superfície como se a profundeza do solo não lhes fosse suficiente à vida. No ar a humidade própria do espaço onde milhões de árvores, fetos e outra vegetação respiram. O cheiro que só o verde transpira. Um cheiro fresco capaz de encher os pulmões de oxigénio em estado puro até à intoxicação e ao desmaio.


Já nem sei o que me invadiu quando decidi que seria capaz. Sozinho, estrada fora. Desafiei-me a mim próprio e aos limites do meu ser. Até quando resistiria sem falar com ninguém? Sem ver pessoas? Seria eu capaz de levar esta aventura até ao fim? E onde seria o fim se não tenho carta nem bússola que me guie? Leva-me o céu, o sol e as estrelas. Leva-me o trilho marcado no chão. E continuo a subir. Sei que já subi muito. Canso-me mais, a respiração está ofegante e obrigo-me a parar. Conto pulsações, faço exercícios respiratórios e avanço.

A minha memória toma conta de mim. O ar rarefeito está a roubar-me a consciência e a devolver-me memórias que julgava perdidas. De repente surgem à minha frente as bicicletas. Somos cinco. Amigos e companheiros de trilhos perdidos. Pedalamos dia após dia até que o mapa nos diga que estamos a chegar. Quanto tempo tem esta memória? Porque voltou agora? Nunca pisámos este trilho. Tenho a certeza que é novo, que o escolhi só para mim. Para o conhecer. Talvez vos traga até ele um dia, mas porque é que se estão a intrometer agora?

Uma casa. Pedra. Pedra sobre pedra. Rectangulares e até mesmo sem forma definida. No meio do verde o cinzento. Na porta, pesada, de madeira, uma aldraba. Enfio a mão e giro-a. Está aberta, destrancada, convida-me a entrar. Não me faço rogado. Os olhos cerram-se na tentativa de deslindar o que o escuro tem resguardado. Na parede de fundo uma enorme lareira. Ligo a lanterna. Percorro a casa. Quartos alinhados ao longo de um corredor comprido. Ao fundo um pequeno hall onde dormem um louceiro e um despenseiro. Porta de acesso a uma cozinha. Chaminé baixa abrigando um enorme fogão de lenha. Ferro preto. Ferragens de latão amarelo. O cheiro inconfundível da cinza há muito armazenada nos poros das tábuas do soalho.

Regresso à sala. Desenrolo o saco cama e deito-me dentro da lareira. Como se me aninhasse no berço onde há muito fui embalado. Como se a minha vida, no escalar da montanha, tivesse andado para trás.

Não sou o homem que se reflecte no espelhado dos óculos escuros. Sou a criança que já fui. A voltar à origem. À terra...

6 comentários:

1/4 de Fada disse...

Fiquei perdida de amores pelo teu texto... de repente vi-me na casinha dos 7 anões, como se fosse a Branca de Neve.

Si disse...

Um regresso às origens, com um percurso fascinante!

BlueVelvet disse...

Surpreende-me sempre esta alternância que fazes entre posts do dia-a-dia, divertidos e reais e os instrospectivos, sonhadores com a sensibilidade à flor da pele.
Este é um desses.
A imagem do anichar na lareira é deliciosa.
dorei.
Beijinhos, linda

MaryandMargas - Anitas disse...

ohhh tao giro :D tenho muito orgulho em ser sua sobrinha do coração!! gosto TAANTO de si :)
beijinhos grandes M.B.

paulofski disse...

Por instantes me vi na terra que me dizia olá, que me via mais crescido cada vez que me dizia adeus, que me guardava um mundo sonhos e aventuras de criança. A terra que já não é a mesma.

Gostei bastante de ler.

beijo

Filoxera disse...

Outro texto lindo.
Só espero que a lareira eteja bem limpa :-)
Beijos.

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