Grafia

A Autora deste Blogue optou por manter na sua escrita a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Os Mercados da minha Memória

Mercado de Arroios
Arquivo Fotográfico Municipal


O afonso tem andado a escrever sobre Mercados Municipais e a escrita dele tem-me feito recordar dois. Diferentes. Que frequentei em alturas diferentes. O mercado de Arroios e o mercado de Picoas.
O Mercado de Arroios é o mercado de bairro da minha infância. Grande, circular. Neste mercado passeava com a minha Avó. Era ela que lá me levava, pela mão, às bancas da sua confiança. Só nessas fazia as suas compras com o dinheiro que tirava de um porta-moedas que levava fechado na outra mão. Os verdes e legumes numa banca. A fruta noutra. O peixe noutra. As compras não eram feitas com o toma lá dá cá dos nossos dias. Havia sempre um pouco de conversa, dúvida sobre se a balança estaria certa e se aquele seria o peso correcto, algumas palavras sobre o preço marcado na tentativa de o ver reduzido na hora de pagar a conta. A minha Avó era assim. Não se ficava. Era boa a negociar. Gostava de conversar e fazia-o sempre com a confiança e segurança de quem vive na zona há muito tempo e tem alguns direitos adquiridos. Saudades dela e dos nossos dias. Em que eu trazia num cestinho alguns produtos para brincar às bonecas...

Mercado 31 de Janeiro
Arquivo Fotográfico Municipal
O Mercado de Picoas, ou Mercado 31 de Janeiro, é uma fonte de memórias já adultas.
Vizinho ao meu primeiro local de trabalho, a este mercado comecei a ir acompanhando uma então colega, agora Amiga há 22 anos. Íamos às flores. Depois, quando ela engravidou pela primeira vez, íamos à fruta. O Verão e as cerejas. Quando o bébé já comia, íamos comprar o linguado fresquinho.
Engraçado, uma memória mais recente mas menos fresca nas minhas recordações. Lembro-me que era um Mercado bonito e que tive pena quando o vi desaparecer. Um bocadinho da minha vida foi com o seu desaparecimento.

Gosto de mercados.

Colecção i

[...]
«Assim viemos expondo, tais como os compreendemos, os elementos da crise política que se desenha, e que, nascendo da nossa crise crónica, a crise económica, se vai ajuntar a ela ajudando a agravá-la por diversos modos.
A situação é esta. Uma parte importante da Nação perdeu totalmente a fé (com razão ou sem razão) no parlamentarismo, e nas classes governamentais ou burocráticas que o encarnam; e tende, por um impulso que irresistivelmente a trabalha, a substituí-las por outra coisa, que ela ainda não definiu bem a si própria. Qual pode ser essa outra coisa? Que soluções se apresentam?»
Excerto de texto publicado em 1890
in Revista de Portugal
Textos Políticos,
Eça de Queiroz,
Centauro
(sublinhado meu, em 2010)

A Crise A Austeridade As Caras Fechadas no sol(o) português

Daqui
De que vale esconder a cabeça, a cara entre as mãos?
A austeridade vai cair-nos em cima de qualquer modo.
Vivemos num país inundado de sol e coberto por uma população maioritariamente infeliz, carrancuda e desanimada. Abafados pela palavra crise que nos esmaga há tempo suficiente, fomos agora "premiados" com decisões que nos indicam caminhos de mais austeridade e dificuldades. Só não percebo onde poderemos "cortar" mais e poupar mais.

Talvez deixando de comer, uma vez que o IVA vai subir 2%.
Talvez deixando de comprar livros e jornais.
Talvez acreditando que cinema e teatro e espectáculos não passam de conceitos aos quais não corresponde nenhuma realidade física.
Talvez deixando de nos mexer, porque o movimento causa gastos de energia.

Vamos ser um país de gente parada, ainda mais parada. Queixamo-nos de que pouco ou nada evoluímos, de que pouco fazemos, mas como sobreviver a tanta dificuldade?
Preciso de acreditar que os tempos de sacrifícios que temos vivido irão terminar um dia. Um dia respiraremos fundo e poderemos dar pausa ao cálculo mental permanente em que vivemos.
Precisava de acreditar (mesmo sabendo inconscientemente que seria mentira) que os que ganham muito mais do que aquilo que qualquer um de nós consegue imaginar, também vão aderir a este plano de austeridade de forma real. Cortes reais em salários que se assemelham a pequenas heranças mensais talvez poupassem mais dinheiro ao Estado. Proibição, punida com penas reais, de gastos supérfluos como viagens, despesas de representação, carros e combustíveis. O pior é que neste campo, a crise não passa de um cenário onde se movem personagens pequeninos de quem ninguém conhece os nomes...nós, os que pagamos impostos, taxas, etc.

"No próximo ano lectivo todos os alunos vão ter direito a manuais escolares gratuitos graças a bolsas de livros usados nas escolas", ouvi esta manhã na rádio. Interessante. Algo que muitas escolas e grupos de Pais/Encarregados de Educação andam a tentar há muito tempo e não conseguem dinamizar. Como é que se vai conseguir pôr essa medida em funcionamento? Vamos deixar, finalmente, de ter livros a mudar de ano para ano só porque "sim", quando as mudanças reais são de quatro em quatro anos?

Escondo a cabeça e a cara entre as mãos. Respiro fundo porque preciso que o ar (que ainda não pago para respirar) me entre nos pulmões, me renove por dentro, me refresque o cérebro. Fecho os olhos, porque o Sol, apanágio do nosso belo país banhado pelo belo mar, me fere os olhos. A escuridão é o que nos rodeia.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma Iniciativa Especial por Um Problema Que Ameaça Tornar-se Normal...

Mais Informações
Aqui

Setembro 2005 versus Setembro 2010



Índia,
Album Fotográfico
 
Poucas coisas me alertam para a passagem do tempo.
Aos meus olhos, quando me cruzo com eles no espelho, vejo-me sempre igual. Igual às memórias que os meus olhos guardaram de mim. Impossível. A cada dia que passa, um milímetro de pele muda, um milímetro de ruga nasce, um milímetro de mim envelhece.
Arrumei o livro terminado. Pousei os olhos nas prateleiras. Mudei de prateleiras. Da esquerda da sala para a direita. De duas pilhas de não lidos, para alinhamentos arrumados, buscando os títulos que sei não ter lido mas que estão lá. Tiro um. Setembro de 2005 (todos os meus livros têm o meu nome, a data de compra/oferta, o nome de quem ofereceu, na primeira página). Cinco anos? Fico parada. Passaram cinco anos desde o dia em que comprei este livro. cinco anos são muitos anos. Muitos milímetros mudados. Por fora e por dentro.
Por qualquer razão não li este livro após o ter comprado. Acontece-me amiúde. Resultado da paixão. Olho-os e tenho de tê-los. Trago-os e vou-os juntando. Uma zona de conforto onde poderei sempre refugiar-me. A certeza de que tenho sempre páginas não lidas onde me descobrir, onde aprender.

Setembro 2005/Setembro 2010.
Um sinal de que deve ser este o meu próximo companheiro, a minha próxima leitura.

Análise de Leitura [sem presunções de crítica literária!]

João Tordo
Terminei ontem, ao serão, a leitura d'O Bom Inverno (descubram a razão do nome deste romance aqui). João Tordo é um dos meus escritores preferidos e de cada vez que inicio a leitura de um dos seus romances, faço-o de mente completamente aberta, como se entrasse numa casa que me é querida e onde sei que vou sempre sentir-me confortável.
Nesta história achei particularmente interessante o envolvimento do escritor dentro da sua própria história. Como se ao mesmo tempo que escreve e constrói ambientes, enredos e personagens, estivesse a analisar-se a si mesmo na sua profissão de escritor.
Nas últimas páginas, a intensidade do que nos é descrito é tão forte. Sente-se que aquelas últimas páginas exigiram do escritor uma enorme dose de energia, que o devem ter deixado exausto. Enquanto lia pensava que é preciso ser-se muito bom para se chegar a um resultado destes.
Com a leitura deste livro, reconfirmo as razões da minha preferência pelo autor. É bom. Ponto Final.
[Não sei em que livro pegar agora...]

A Notícia Mais Importante do Dia

T-Shirt do Cão Azul
Ontem era o dia D. A minha incumbência era abrir o mail dela às seis da tarde e ficar atenta às entradas. Tal como eu, outros/as Amigos/as dela. Era suposto chegar ao final do dia a notícia mais aguardada deste último mês - entrada em Design de Equipamento, sim ou não? O estômago já andava às voltas há umas semanas, a ansiedade estava no seu máximo. Eu, sempre optimista e confiante nas capacidades da "minha Menina", estava calma, certa de que ela iria conseguir entrar! Mas a notícia não chegou ao final da tarde. Ela, veio de Lisboa, foi para o treino, saíu do treino e ligou-me "Mãe, já lá está no mail, mas não abras. Quero ser eu a ver". Já alguém tinha visto, primeiro que eu e lhe tinha ligado a avisar. Entrou a correr em casa. Afogueada do treino, afogueada do contentamento, da adrenalina que já lhe corria nas veias. Como uma seta. Em linha recta da porta da entrada para o meu computador, que agora partilhamos. Os dedos mais rápidos que o pensamento, se é que isso é possível! E os saltos. E os gritos. E os beijos. A mim. Ao Pai. Reclamações dos irmãos mais novos que já tentavam dormir e não conseguiam com os gritos dela! Feliz. Muito. Imensamente Feliz. Fixe íssimo (como me escreveu uma Amiga num sms que me enviou). E eu não posso deixar de me sentir muito orgulhosa. Por saber, por ver, a cada dia que passa no crescimento dela como pessoa, que ela é uma pessoa bestial em todos os sentidos.
É Caloira!!! Caloira veterana como ela dizia ontem. Hoje fico sozinha com os três rapazes. Ela vai comemorar para a Festa do Caloiro. E merece comemorar bem, muito bem!!!!

Parabéns Catarina!
És a M A I O R!!!!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Verdadeiro Tamanho das Pessoas Grandes

O Principezinho
«Às vezes, quando se quer ter graça, dizem-se algumas mentiras. Devo confessar que não foi lá muito honesto falar-vos dos acendedores de candeeiros. Quem não conheça o planeta, arrisca-se a ficar com uma ideia errada dele. Na realidade, só muito pouco espaço da Terra é que é ocupado pelos homens. Se os dois biliões de habitantes da Terra se pusessem de pé, muito juntinhos, uns ao lado dos outros, como num comício, cabiam todos, à vontade, numa praça de vinte milhas de comprimento por vinte milhas de largura. Bem amontoada, a Humanidade cabia inteirinha na mais pequena ilhota do Oceano Pacífico.
Claro que as pessoas grandes não vão acreditar. Elas pensam que ocupam muito espaço. Julgam-se tão grandes como embondeiros. Portanto, o melhor é vocês dizerem-lhes para fazerem as contas. As pessoas grandes adoram números e vão ficar todas contentes. Mas vocês, vocês que confiam em mim, não percam tempo a repetir tudo. Eu já fiz as contas...»

Suburbana

Daqui
As ruas são-lhe familiares. Percorre-as diariamente nos seus percursos do Metro para o local de trabalho, do local de trabalho para o Metro. Nunca viveu na cidade e isso fá-la sentir-se um pouco inferiorizada face a colegas de trabalho, amigos recentes. Sabe os nomes das ruas por onde passa todos os dias porque os seus olhos não se cansam de captar do mundo tudo o que lhes é possível abarcar, porque a sua memória, mais do que fotográfica, tem quase características de uma potente máquina capaz de armazenar muitos dígitos de informação. Quando observa os seus colegas de trabalho, nascidos e crescidos na cidade, sente-lhes uma urbanidade latente. Sabem nomes de lojas antigas, recordam comércio tradicional de tempos de infância agora substituído por dependências bancárias ou espaços comerciais multidisciplinares. Recordam esplanadas onde eram passadas as horas em que os professores faltavam ou em que, eles, alunos, decidiam dar uma folga a si próprios, trocando salas de aula cheias de gente (ainda não existia o "trauma" das turmas grandes) por cadeiras de metal com assentos em barras de madeira e cafés e tostas mistas, conversas, risotas e os primeiros cigarros (longe ainda da Lei do Tabaco). Como gostaria ela de ter também destas memórias. Nascida e criada nos arredores, naqueles arredores que nem sequer têm o charme de zona de elites, as suas memórias não passam de uma pequena terra, cheia de prédios de pintura escurecida pelo tempo e pela poluição, de uma escola suficientemente perto da porta de casa para que não houvesse outra hipótese quando um professor faltava. De chave na algibeira das calças de ganga sem marca, o destino de uma hora de "furo" era sempre o apartamento alcatifado, pequeno, com o cheiro característico de uma casa de fumadores, com a gaiola dos canários cantadores na marquise feia da cozinha não menos feia. Sim, estas são as suas memórias. Como dizê-las alto à frente dos seus colegas de trabalho, alguns perto do conceito de amigos? Impossível. Também não inventa outras. Não se sente suficientemente ousada para tal. Limita-se ao silêncio ou à saída estratégica quando as conversas começam a ameaçar incluí-la. Hoje está atrasada. Uma greve dos transportes públicos transforma-lhe em plural o que costuma ser o percurso de uma hora. Decide aproveitar. Sozinha, na cidade que só conhece dos seus anos de adulta, decide experimentar a sensação que outros conhecem desde sempre. Passeia-se pelas ruas calcetadas onde os saltos dos sapatos se encaixam, se estragam, se entortam. Atenta aos motivos que as pedras mais escuras desenham nas brancas da calçada. reconhece caravelas. As quinhentistas. As que levaram Portugal ao Mundo e trouxeram mundos ao Mundo. Reconhece corvos. Os corvos zeladores de S. Vicente. Com os olhos de quem vê pela primeira vez maravilhas nunca vistas, descobre um local onde lhe apetece sentar-se. Sem saber porquê, através da montra, fazendo sombra sobre os olhos para ultrapassar os reflexos que o sol faz nascer no vidro, vê uma mesa que lhe lembra uma carteira de escola, cadeiras que também poderiam pertencer a uma qualquer sala de aula do seu tempo de estudante. Entra e senta-se. Percebe que é mesmo ali que lhe apetece sentar-se. A ler. A desenhar. A faltar ao emprego como se aproveitasse um "furo" de falta dada pelo professor mais aborrecido do ano lectivo. Pousa a mala na cadeira vaga. Varre o espaço circundante com os olhos e num lampejo de pensamento põe a hipótese de ter a capacidade de "varrer" o que não lhe agrada à sua volta só com o poder do olhar. Sorri. Sente-se uma verdadeira adolescente, imaginando cenas fantásticas e impossíveis de acontecer. Tira o seu caderno de papel liso e o lápis de carvão de dentro da mala. Ensaia traços e manchas. À margem junta palavras que lhe servem de inspiração para continuar o desenho. Distrai-se. O lápis rebola na mesa e cai ao chão, desliza para debaixo da mesa, acorda-a dos pensamentos em que se perdera. Dobra-se sobre si própria, por debaixo da mesa, para apanhar o lápis fugídio. Os olhos sempre atentos desviam-se para um papel dobrado por baixo de um dos pés, metálicos, da mesa. Não resiste. Tira-o. Desdobra-o. "Almoça comigo". Duas palavras. Transforma-as em suas. Junta-as ao desenho e inicia uma história de amor tendo por palco a cidade.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Que sabes tu do eco do silêncio?, Ondjaki

Ondjaki
um só olhar
pode ser uma voz não dita.
para acumular dores
o mais das vezes
bastou um desamor.
sei: a solidão
ecoa de modo muito silencioso.
sei: muita silenciosidade
pode reciprocar
verdadeiros corpos num amor.
um só silêncio
pode ser nossa voz não dita
ainda nunca dita.
para ecoar um silêncio
bastou gritarmo-nos para cá dentro
num gritar aprofundo.
já silenciar um eco
é missão para uma toda vida:
exige repensação da própria existência.

Pensamentos Etéreos


Não sei de algumas pessoas
Desapareceram
Esfumaram-se por entre o correr dos dias
Invento que nunca existiram
Suponho-as miragens que, por breve espaço de tempo,
me surgiram em frente dos olhos
Digo-as dispensáveis

Sei pouco de outras pessoas

Sei muito de outras pessoas
As que não precisam de se dizer presentes,
existem sempre

Um Dia Tramado [ou um Início de Semana Tramada]

Não é a minha, mas dá para ilustrar!
Parece que toda a gente no Mundo detesta as segundas feiras.
Para dizer a verdade, eu até gosto delas. São o sinal de uma nova semana, de dias que estão para vir, de mentalmente planear o que vou mudar em relação ao que fiz de mal na semana anterior, mas como não há bela sem senão...as segundas feiras também têm o seu quê de stressante.
Geralmente, depois do fim de semana, a casa fica num estado caótico. Desarrumação, toneladas de roupa por tratar, mil e uma pequenas coisas para arrumar. Já comecei. Com a força toda. Aproveitei para mudar um roupeiro de sítio. Apeteceu-me. Não tenho a certeza se o vou deixar naquele novo canto por muito tempo, mas que importa? Está diferente!
No início da tarde tenho de ir à Escola.
Quando não se tem ajuda, os dias da semana podem ser bem complicados.
Ainda estou aqui a tentar resolver mentalmente uma sobreposição de tarefas e horários dos dois mais novos, amanhã, ao final da tarde. Um para o lado direito da Marginal, outro para o lado esquerdo. Já consigo achar piada quando me dizem que sou a pessoa com mais disponibilidade para fazer isto ou aquilo. Não vale a pena contrariar!
E depois há esta situação privilegiada de se viver por cima do mar. Este solinho de outono que me vinha a aquecer os braços e as pernas [sim, porque os calções continuam a dar] através do vidro do carro. Parecia um íman a puxar-me para baixo, para a praia...e eu, íman racional, a puxar-me para o meu reino de mil e uma tarefas domésticas.
ah ah ah
Resisti à força magnética do mar e guinei para terra. Se é ou não firme, não sei afirmar com toda a certeza. Por vezes, algo pantanosa.
Vou continuar, aplicada.
Talvez ainda aqui volte.

domingo, 26 de setembro de 2010

7º Dia da Semana [ou 1º?]

Não houve tempo para fazer deslizar as mãos pelas teclas brancas. Quase não houve tempo para nada.
O dia amanheceu cedo, na praia, a olhar quem não se cansa nem sente frio. Ondas. O paraíso na terra. Ou no mar. Um bocado da manhã. Desde a manhã ainda fria, com o casaco a saber bem, com os pés gelados nas havaianas. Até à manhã que lentamente vai aquecendo, convidando a despir o casaco e aproveitar os raios de sol. E quando, por casa, a Família desperta do sono reparador de domingo, subo para o pequeno almoço. Que termina perto da hora de almoço com uma visita. E o dia vai rolando. Damos início à produção de marmelada. E de geleia. Alinham-se taças em cima do fogão.
Prepara-se o almoço tardio. E mais visitas chegam. Que se vão deixando ficar até à hora de jantar. O sol a bater-nos nas costas, nas pernas, nas caras. O sol a perder o seu calor, a sua força, a abandonar-nos. O fim de domingo a chegar.
Preparam-se mochilas. Roupas. Jantar.
Domingo que termina. No sofá...

sábado, 25 de setembro de 2010

Como Um Romance, Daniel Penac

«Gratuito. Pelo menos era assim que ele o entendia. Um presente. Um momento fora de todos os momentos. Quaisquer que fossem as circunstâncias. A história nocturna aligeirava-lhe o peso do dia. Largavam-se amarras. Ia com o vento, levíssimo, o vento que era a nossa voz.
Não lhe pedíamos que pagasse a viagem, não lhe exigíamos nada, nem um centavo, não lhe pedíamos a menor contrapartida. Nem sequer era uma recompensa. (Ai as recompensas...a necessidade de alguém se mostrar recompensado!) No nosso caso, tudo era gratuito.
A gratuitidade é a única moeda da arte.»

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Quando Não Sei o Que Escrever, Transcrevo # [2]

João Tordo
[...]
«Sabes o que dizem sobre andar de balão em África?»
...
«Que é uma experiência de tal maneira poderosa que pode mudar uma pessoa. Que as terras de África vistas do céu são demasiado belas para o olhar humano e, portanto, algumas pessoas ficam loucas. Literalmente loucas por serem incapazes de esquecer a experiência.»

O Bom Inverno,
João Tordo

Agradecimento [Só Porque me Apetece]

Hoje apetece-me agradecer.
O blogue não faz anos e eu também não, mas há dias em que o Lado Lunar se sobrepõe a tudo, nos invade, nos deixa de rastos, nos faz sentir como se os dias estivessem a terminar. Muitas vezes sem motivo aparente, algumas vezes por coisas que não valem mesmo nada perante tantas situações arrasadoras que nos rodeiam. Apenas o clima que se vive. Como se todos estivessemos enfiados num local fechado de onde não nnos podemos mexer para lado nenhum, sob pena de sermos castigados. Sabemos que algo está mal, ou tudo está mal, mas não sabemos como mudar, não sabemos se podemos mudar.
O blogue nasceu. Uma brincadeira. Um desafio. Uma terapia.
Os comentários começaram a surgir. Entusiasmo e maior desafio.
"Parcerias" com imagens deram origem a comentários dos melhores que por aqui têm sido registados.
E a terapia foi andando e desafiando cada vez mais. Com direito a sofrimento de cada vez que as palavras não correspondem às perspectivas de quem as escreve. E mais desafio. E mais terapia. E o número de visitas diárias a passar dos dois algarismos para os três e dos três da centena para os três das duas centenas. Poucos comentários. Raríssimos, diria até, mas visitas a manterem-se. Há quem me leia todos os dias. Não sei onde. Não sei porquê. Não sei o que lhes dizem as minhas palavras, mas sei que há quem me leia e isso é tão bom!
Os últimos posts têm sido pouco inspirados e um pouco "baixo astral". São fases e reconheço que ando em baixo. Pode ser apenas a astenia própria do Outono, pode ser a aproximação do aniversário e da mudança de 2º algarismo a seguir ao 4 que marca! Os comentários que têm chegado são motivo de sorrisos. Uns de amigos que sei que estão sempre cá, mas outros, de pessoas que nem desconfio quem são, a oferecerem a sua companhia, os seus ouvidos para a minha conversa, a sua amizade para além da virtual. E isso é bom.
Os agradecimentos são, hoje, para os que me visitam. O número de visitas é o meu maior incentivo à escrita. Ao cuidado na escrita. À atenção nos temas e imagens. Os agradecimentos são, hoje, para o Diário de Lisboa que me tem inspirado com as suas fotografias e quem tem ilustrado posts meus. Os agradecimentos são, hoje, para quem deixa na minha caixa de comentários palavras de amizade.
Obrigada a todos.

Lados Lunares

Daqui
que a vida não é propriamente um mar de rosas, já todos nós sabemos. vem-nos inscrito no ADN tal como as capacidades de andar, falar e pensar. a menos que nasçamos num ambiente de redoma, a nossa capacidade de resilência vem-nos nos genes.
uns desenvolvem-na mais, por maior capacidade de enfrentar dificuldades e obstáculos, por dificuldades da própria vida. outros caem mais facilmente, abandonam-se aos seus lados lunares, sofrem e definham, sob o peso do peso que a vida traz. outros ainda parecem não precisar desta capacidade, tudo lhes surge fácil, as dificuldades são tão comezinhas que comezinha é também a forma de as resolver. e sorriem o tempo todo. e brincam. e a vida é-lhes leve.
recolhimento. há quem faça dele um modo de vida. clausura completa. silêncio total. como viver sem outros se não existir uma força maior que guie esses passos, esses lados lunares? como se alcança essa força maior que guia passos, que substitui tudo, que torna tudo supérfluo?
a vida pesa. a vida cansa. marca a cara. fecha os olhos de dor. resiste a cabeça que quer continuar livre, presa a um corpo que determina a mortalidade, a prisão às regras. pergunta a cabeça qual o destino para onde se caminha, para onde a leva o corpo. e a vida não pára. não cede à vontade de abrandar. não dá tréguas. empurra sempre.
a vida pesa tanto.
a vida dura tão pouco.
a vida que passa.
em lados maioritariamente lunares

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

G.B., Hoje Não Estou Triste !!!


Casa das Histórias Paula Rego
Victor Willing: Uma Retrospectiva

O Outono, hoje, decidiu mostrar a sua personalidade. Não em tons românticos de dourados e vermelhos, mas em tons nostálgicos de cinzento. O dia amanheceu sem Sol, com o céu carregado, com a humidade a encaracolar cabelos, com a chuva a dar um ar da sua graça. Começa o drama do "que vestir, do que calçar". Não está frio mas também já não está calor. Poêm-se sapatos ou ainda se podem manter os dedos ao léu? Outra vez as calças? Que tédio...
À frente. Havia coisas a tratar na Escola, havia uma combinação de ir à Casa das Histórias. Um programinha Mãe/Filha em substituição de um outro que tivemos de adiar.
Distribuição de Manos. Uma passagem por casa para responder a mails e enviar outros.
Escola. Falo com este, pergunto por outro, deixo recado ali, volto acolá. Mais umas perguntas, mais umas combinações, projectos em mente...
Apanho a Filha, companheira de projectos culturais, e vamos.
Pode parecer parvo, até vagamente snob, mas Cascais é lindo. Enquanto faço a Marginal vou deitando cantos de olho para o mar e para a baía. Quando entro na zona da Praça do Município, respiro fundo e sinto-me tão bem por poder estar ali.
Chegamos. Estacionar, estacionar sem pagar...boa! Há um parque mesmo em frente ao Museu, gratuito! Rimos com a azelhice no estacionamento. Está torto mas não faz mal. Há imenso espaço. Apressamos o passo, casacos a proteger cabelos que teimam em que o encaracolar é que está a dar, fazemos figas para não escorregarmos no piso que, habituado à secura dos meses de Verão, agora parece manteiga debaixo dos pés.
Já estamos na entrada do exterior do Museu. Casa das Histórias. É um nome mágico que parece colar-se como uma pele ao espaço envolvente do Museu. Realmente, pisar aquela "passadeira" cinzenta faz-me sentir no meio de um caminho para algo de mágico, de calmo, pacífico. Veio-me à cabeça o meu aniversário que se aproxima, os preparativos, o que enviar como convite aos Amigos que quero ter presentes numa data especial. [Os meus aniversários são sempre especiais, porque os adoro, mas este ano, ultrapassada a capícua de 4's, sinto que também eu e a minha vida estamos a entrar num novo caminho. Uma nova passadeira que não sei onde me levará, mas que é, de certeza, uma passadeira especial.]
Visitámos a exposição. Alguns quadros poderiam vir comigo (ah ah ah), outros não. Demasiadas formas geométricas acabam por me fazer dispersar o olhar. Prefiro os figurativos. Os retratos. Os nús (adorei os nús).
Largo a Menina no comboio, rumo à cidade. Eu rumo a casa. Marginal. Com paragem no estacionamento da minha praia. Alguns surfistas que se vestem. O mar está praticamente flat. Estamos em Setembro. Onde andam as ondas características das Marés Vivas. O cheiro a mar chega-me às narinas e inspiro-o com força. Mais calma. Mais paz. O mar. Respiro fundo.
Tenho de voltar a casa, às minhas rotinas, mas hoje muito mais feliz.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Homem do Gás

Da Net
O gás utilizado cá em casa é de botija, mais propriamente, de botijas. São duas. Numa casinha própria para elas, lá fora no quintal. Duas de 11kg cada uma. Uma para o fogão. Outra para o esquentador.
Quando uma delas termina, um telefonema para o fornecedor e passados poucos minutos aí está o senhor com a sua carrinha de caixa aberta já velhota.
Estaciona aqui à porta e toca. E eu já sei, tenho de lhe abrir o portão mas também segurar os cães, de quem ele tem um medo que não dá para explicar. Ele entra vagarosamente, empurrando o carrinho onde transporta as bilhas, sempre a olhar por cima do ombro para ter a certeza de que consigo segurar os dois cães enquanto ele desliga a bilha vazia, retira o invólucro de plástico que vem no cimo da nova, liga a nova, fecha a casinha e volta direitinho à saída.
Não acho muito justo que a publicidade ao gás tenha sido feita com uma miúda tão gira e não exista uma outra publicidade com um elemento igualmente giro, mas do sexo masculino. Assim, enquanto estou ali de cócoras, a segurar os cães, poderia sempre imaginar que a bilha de gás estava a ser trocada pelo "tal" da publicidade. Mas não. Não há publicidade com homens giros, pelo que tenho de me resumir à triste condição de estar de cócoras a segurar dois cães enquanto um sr. muito pouco atraente [leia-se, nada atraente] trata do gás.
Hoje, quando se despachou, disse "Ah, você também pertence às Famílias Numerosas...eu também...tenho cinco filhos!", ao que lhe respondi que sim, que por cá eram quatro os descendentes.
Sorriu.
Bateu o portão e disse-me até à próxima.

É Só Um Desabafo...[pensei nisto agora, a propósito de nada]

Não gosto de pessoas com quem não consigo empatia no primeiro contacto.
Fico sempre desconfortável, soa-me tudo a muito falso.
Complicada esta minha forma de ser.

Silêncios sem Sentido[s]

«Estou naqueles momentos silenciosos em que pouca coisa parece fazer sentido.», Clarice Lispector


Da Net

Tudo o que faço parece ser feito por uma máquina. Ter-me-ei eu tornado numa mera máquina de execução de tarefas desagradáveis para a maior parte das pessoas na Terra? Se sim, o que é feito de mim? Onde estão os meus sorrisos e as minhas gargalhadas? Há quanto tempo não me oiço rir de gargalhar? Esperam de mim a ordem, a disciplina e a compostura. De tanto as impor, não me dispo delas e deixo que me sufoquem. Desconfio mesmo que não sei como voltar ao meu Eu, o Eu anterior à ordem e à disciplina, o Eu de quem tenho saudades mas que deve estar fechado num qualquer armário do qual não se encontra a chave. Sair da rotina é uma ideia, uma proposta, um ponto de partida. Sair da rotina implica quebrar a ordem. Uma ordem organizada em função de um grupo de pessoas. Eu não sou livre, não sou dona da minha rotina. Há um grupo de pessoas que, à distância, nas ausências, determinam a minha rotina. Prendem-me às tarefas que o Eu máquina executa para que todos encontrem, no final do dia, as suas zonas de conforto. Onde está a minha zona de conforto? Quem a constrói para mim? Se nem eu mesma a sei definir, se nem eu a sei preservar. E depois vem um abraço. Sem palavras mas com muita cumplicidade, como se dissesse que compreende tudo, mas não pode fazer nada. E depois surge uma memória. A imagem do que nunca foi mas podia ter sido, e o que teria sucedido se tivesse sido? As dúvidas. As inquietações. Os dias iguais aos dias sempre iguais. O Eu a deixar-se cair. O Eu a não querer sucumbir. A procura de um sentido para tudo o que já não faz sentido nenhum. E o silêncio. Como se de uma clausura se tratasse. Sempre o silêncio.

Bom Dia Outono

Outono na Wikipédia
Despeço-me hoje do Verão. É tempo de começar a empacotar a roupa de Verão. Guardar vestidos e calções, trazer para a primeira linha alguns agasalhos mais suaves, as calças, as mangas compridas.
O Equinócio de Outono chega às 04:03 do dia 23 de Setembro. A mudança da hora só se fará no último dia de Outubro, o que significa que ainda tenho um mês de ilusão de dias grandes.
Embora o Verão seja a minha estação de eleição, tenho que admitir que o Outono tem qualquer coisa de romântico, de nostálgico, que me atrai. O facto de ter nascido em pleno mês de Outubro talvez contribua para esta atracção. As cores de Outono são-me caras. As tradições de Outono também. Festejar o S. Martinho. Saber notícias da Feira da Golegã, onde já não vou desde criança.
O início do Outono traz-me algumas memórias boas que passam pelos cartuchos de castanhas assadas nas ruas de Lisboa, pela apanha dos figos na terra da minha Avó, pelas uvas que vinham directamente da terra para tabuleiros de esmalte nos balcões da cozinha, pelos frascos de doce de tomate, pelas tigelas de marmelada com papel vegetal por cima.
Memórias boas. Memórias feitas do que devem realmente ser feitas, afectos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Fashion Look [ou mera necessidade?]

Os meus são roxos e brancos!
Andar sem óculos começa a ser impraticável.
Há uns cinco anos, por indicação médica, fiz óculos escuros graduados e desde então ando sempre com eles. Esteja sol ou esteja chuva, os óculos escuros passaram a fazer parte da lista de coisas sem as quais não posso sair de casa. Na altura, a médica avisou-me que a partir do momento em que passasse a andar de óculos escuros graduados, iria sentir muito mais necessidade de andar de óculos. Eis porque é ela a médica - acertou em cheio.
Com uma exclusão do olho esquerdo desde miúda pequena, sempre vi tudo e mais alguma coisa graças ao trabalho do meu olho direito. Muitas vezes, em viagem, lia coisas em placards e placas muito antes de qualquer outra pessoa dentro do carro.
Agora [neste momento escrevo sem óculos e sinto-me a franzir a testa para focar o olhar no branco do computador] é completamente impensável fazer seja o que fôr sem óculos. Primeiro comecei a usá-los por vaidade, por serem giros, por ser mais um acessório que me complementava a personalidade vaidosa. Depois comecei a sentir-me confortável. Finalmente comecei a perceber que com óculos tudo ficava mais fácil de entender.
Os óculos.
Vou buscá-los para ler enquanto o jantar se faz!

Ando Estúpida!

Daqui
É sabido que penso. A questão, hoje, é se penso bem ou se mais valia não me dar a esse trabalho. Ultimamente dou por mim a analisar cada comportamento que tenho, cada frase que digo e como digo, a analisar os comportamentos de quem está à minha volta, pensando em como seria se tivessem sido ou fossem diferentes. Convenhamos que esta é uma grande "panca" e que me cansa um bocado. Frequentemente sinto vontade de ir a um qualquer botão que o meu cérebro deve ter e virá-lo para a posição off para que me deixe descansar um bocado. A minha convivência com outros elementos do sexo feminino não me leva a perguntar-lhes se também têm este tipo de pensamentos e outros ainda mais aborrecidos. Do género, mas porque raio tenho eu esta vida monótona? Claro que no meu caso, o meu estilo de vida foi opção minha, mas isso não é razão para que não me pergunte, não me analise, não me apeteça outra coisa qualquer. Não deve ser um sentimento apenas característico das donas de casa, pois não?
O que se passa. Ando um bocadito farta de passar dias e dias fechada em casa, tendo por única companhia ruidosa os periquitos e a televisão. Claro que também tenho rádio. Claro que também tenho CD's, e internet, e telemóvel, e telefone, mas não é a mesma coisa. Sinto falta de ter alguém com quem conversar. Pode ser só sobre o tempo, mas se puder ser sobre outros assuntos mais interessantes, melhor!
Depois, ao fim do dia, quando todos chegam a casa, todos têm coisas para contar, menos eu. Vou falar sobre o quê? Sobre a roupa que não deixa de existir para ser lavada estendida e engomada? Sobre a comida que tão depressa enche o frigorífico como desaparece de seguida? Sobre o pó que ainda agora limpei e já cobre de novo os móveis parecendo provocar-me? Que raio de temas de conversa!
Será pecado que me apeteça uma boa conversa, uma roda de amigas, sem preocupações com o jantar por fazer, os banhos por tomar, as tarefas domésticas que estão sempre lá à espera que lhes pegue?
Não há dúvida. Tenho de me educar.
Ou vou "endoidar"!

Casa de Bonecas


Daqui

Nunca tive uma casa de bonecas.
No passeio que me vi obrigada a fazer no domingo, entrei numa mega loja de brinquedos. Um dos brinquedos que lá estava exposto era uma casa de bonecas. Estranho, porque não sendo daquelas coisas que eu penso "ai, gostava tanto de ter tido" [aliás, parece-me que não existe nada que me faça pensar nesta frase], quando olhei para a casa disse "gostava tanto de ter uma casa de bonecas". Que disparate. Com esta idade, para que quero eu uma casa de bonecas? Para ter mais uma coisa em casa para limpar o pó, com certeza.O que eu acho é que mantenho o sonho de ter um quarto só de brinquedos, como os que se veêm nos filmes, como os que vêm descritos nos livros da Condessa de Ségur.
Com os filhos já crescidos e muito pouco virados para a temática "brinquedos", a minha oportunidade de vir a ter um quarto de brinquedos com uma casa de bonecas, atira-se para o futuro, para quando fôr Avó e tiver tempo para me sentar a brincar com os meus netos.
O quarto vai ter também um cavalinho de pau. Adoro-os. E um teatro de fantoches. E um baú cheio de roupas para as crianças se mascararem. E uma cortina na janela feita de espanta-espíritos coloridos e infantis que tilintarão ao sabor do vento. E uma cadeira de baloiço onde me hei-de sentar a ler enquanto eles brincam, ou a escrever, ou a ler histórias em voz alta. As janelas deste quarto de brinquedos vão ter, por dentro, portadas de madeira que se fecharão na hora da sesta. Caixas de música, de corda, enfeitarão prateleiras da estante dos livros e marcarão os compassos das horas que ali passaremos, as de brincar, as de ler, as de dormir e sonhar.
Gosto desta ideia. De poder ter tempo para me sentar no chão a brincar aos chás de bonecas. Quando era miúda, as brincadeiras com as bonecas tinham por tema o hospital, os doentes, os exames, as "picas", as máscaras nas nossas caras. Influências...

Vou continuar a pensar nisto!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Quando Não Sei o Que Escrever, Transcrevo # [1]

Edouard Vuillard, 1891
«Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o relâmpago, aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo fosse. Se tive que reincarnar, reincarnei sem mim, sem ter eu reincarnado.
Sou os arredores de uma vila que não há, o comentário prolixo a um livro que se não escreveu. Não sou ninguém, ninguém. Não sei sentir, não sei pensar, não sei querer. Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar.
Penso sempre, sinto sempre; mas o meu pensamento não contém raciocínios, a minha emoção não contém emoções. Estou caindo, depois do alçapão lá em cima, por todo o espaço infinito, numa queda sem direcção, inifinitupla e vazia. Minha alma é um maelstrom negro, vasta vertigem à roda de vácuo, movimento de um oceano infinito em torno de um buraco em nada, e nas águas que são mais giro que águas bóiam todas as imagens do que vi e ouvi no mundo [...].
Poder saber pensar! Poder saber sentir!»
Bernardo Soares
Páginas do Livro do Desassossego

Outono a Chegar


I.
Ontem. Planeei que hoje ia caminhar.
Hoje. Constatei que em casa há muito caminho a percorrer.
Ontem. Pensei que hoje ia enfiar uns ténis nos pés, uns auscultadores nas orelhas e ia andar, junto ao mar.
Hoje. Guarda roupa normal, versão stay home worker.

II.
Ontem. Por obrigação conheci um Ctº Comercial, nos subúrbios, enorme.
Ainda ontem. Reafirmei o meu pouco prazer em passear em Ctºs Comerciais.
Ontem. Por prazer voltei à Feira do Desporto, em Cascais.
Ainda ontem. Reafirmei o meu imenso prazer pelo ar livre e pelo contacto com pessoas.

III.
Sábado. Colheita do marmelo. Enchi um saco, [daqueles pretos, do Pingo Doce].
Esta semana. Tenho de deitar mãos à obra e produzir marmelada, antes que comecem a apodrecer dentro do saco. Posso guardar, oferecer e vender. São tantos marmelos!

IV.
Porque motivo este post é ilustrado por uma fotografia tão bonita e que não tem nada a ver com o que aqui foi escrito? Pois...não sei bem...porque é um post em que já cheira a Outono e a fotografia em questão foi tirada em Outubro. E é só. Por agora.

domingo, 19 de setembro de 2010

Até Quando...

Já não são os silêncios que me doem.
Finjo que não os sinto, que não os vejo.
Fingir é infantil, mas ser infantil também é uma forma de resistir ao que não se quer importante.
Já não são as palavras que me incomodam.
A elas transformo-as. Não as ouço como são ditas. Baralho-lhes as letras e faço outras que me cantem aos ouvidos.
Doem-me os estilhaços de afectos. Dispersos. Escondidos. Desfeitos.
Doem-me os abraços que não se sentem e as atenções que desaparecem
Doem-me as dores que se vão instalando sem remédio, a escuridão que todos os dias pinto de luz.
Avanço. Os passos sempre seguros.
Tacteio quando me sinto hesitar.
Não caio.
A força que me mantém é muito maior.
Sei-o.
Até quando?
Não o sei...

Solidão

«Com o tempo não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros»
Mário Quintana

sábado, 18 de setembro de 2010

Sábado, Terceiro de Setembro

Sem grandes alardes, o Concelho de Cascais, através do trabalho desenvolvido pela sua autarquia, é rico em actividades desportivas. Durante este fim de semana decorre a Feira do Desporto de Cascais. No cenário da Baía, frente à Praia dos Pescadores. Vários clubes e associações desportivas estão ali presentes para se darem a conhecer bem como as modalidades que em cada um se podem praticar. Durante os dois dias, são feitas demonstrações. Corfeball, Futebol, Karaté, Escalada, Paddle Surf, Rugby, Jogos Tradicionais...uma grande diversidade, para todos os gostos, para toda a Família.
Andámos hoje por lá. Encontrámos gente amiga e conhecida. Conversámos e assistimos a demonstrações de vários desportos. Prontos para voltar a casa. Já a hora de almoço ia longe e os nossos estômagos não tinham tido o prazer de a reconhecer. Tocaram os primeiros acordes de uma música de top deste Verão. Ao microfone do palco principal uma voz anunciava a aula de fitness.
"bora lá Mãe...vamos buscar a camisola e vamos!"
E fomos. Waka Waka, Macarena, Fame, IMCA, Let's Twist Again. E as coreografias a  bombar. E nós a acompanharmos (pelo menos, a tentar!). E saí de lá cheia. Da adrenalina da dança em grupo. De uma tarde cheia de sol. De ter visto pessoas que me são muito queridas. De orgulho no meu Concelho e nas pessoas que trabalham para que eventos destes possam acontecer e possam juntar tanta gente. Feliz.
A magia em Cascais continua pela noite dentro com o programa Endless Nights. Não estou lá, mas há quem esteja. Torço para que a boa onda da tarde se esteja a prolongar pela noite fora.
Obrigada Cascais!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Bem Feita!!!

Areias de Cascais

O Outono traz cheiros e sabores próprios.
Tenho andado a lutar contra a melancolia dos dias que encolhem, da luz que se despede mais cedo, do Sol que lamenta mas tem de dar lugar às nuvens. Sinto em mim a mais completa negação das estações de dias curtos e frios. Cinzentos e melancólicos. Apesar do quentinho bom das mantas nos sofás, do cházinho.
A preguicite de hoje transformou-se, repentinamente, numa vontade de "bakering". Virei e revirei páginas do livro de receitas. Um bolo? Nã...o que vinha mesmo a calhar...bolachas! Sim, deitei mãos à obra com o meu ajudante mais novo e saíu um belo tabuleiro cheio de areias, as que se dizem de Cascais.
Numa sexta feira completamente estranha. Família incompleta para jantar.
Vejo-me sózinha com os dois mais pequenos. Decido fazer um jantar "à americana", dos que nunca se fazem cá em casa. Nós três, sentados nos sofás, tabuleiros no colo, muitas batatas fritas. É a nossa vingança por os outros três elementos da Família se terem baldado...
Bem Feita!
Não comem Areias!!

Preguicite Aguda


Estou em casa.
Até aqui nada de extraordinário.
Tinha pensado ir até à praia umas duas horitas. O tempo não se mostrou de feição à hora que tinha escolhido para a escapadela de sexta feira.
Fui a uma das escolas, de manhã. Regressei era já hora de almoço.
Arruma aqui, arruma acolá e passou o tempo. Uma preguiça imensa tinha-me invadido. Não estava com espírito para fazer nada. Sentei-me a ler os jornais comprados hoje. Ai, que preguiça...
Fui faser uma recolha. Voltei para casa.
Continuei nos jornais. Mudei-me para o Sofá. Frente à televisão. Sponge Bob...
Chega o do meio da tarde. A pé, encalorado. Junta-se-nos.
Sem saber como, estou a jogar Buzz. Do Sponge Bob a televisão passou para um concurso de Skaters.
Hum...a preguiça mantém-se e a hora de recolher o nº 4 aproxima-se.
Sextas feiras.
Adoro-as!

Quando Não Sei o Que Escrever, Transcrevo

«Pensa bem: o mesmo se aplica a escrever livros, ou não? Não será o escritor, verdadeiramente, o único interessado naquilo que escreve? Quero dizer, porquê andar a inventar histórias a torto e a direito, a menos que essas histórias sejam a solução, temporária ou absoluta, para um enigma qualquer?»
« Todos temos enigmas por decifrar», repliquei. «No entanto, nem todos lemos ficção. E somos ainda menos os que escrevemos.»
«Justamente», respondeu Nina. « Porque pessoas diferentes encontram as respostas em lugares diferentes. Algumas pessoas encontram-nas na própria vida; talvez eu faça parte desse grupo. Para outras, as respostas só surgem quando se difarçam de outra coisa qualquer, de uma pessoa que não são. Quando se metem no lugar de uma personagem e depois a fazem passar por agruras, que é aquilo que acontece nos romances.»
«Ao mesmo tempo, é uma forma de cobardia», respondi. «Deixar que os outros vivam as coisas por nós. mesmo que os outros sejam invenção nossa.»
«Pois é», respondeu Nina, sorrindo. «Os escritores, no fundo, são todos uns grandes cobardes e mentirosos. Às vezes, raramente, são muito corajosos. Mas, geralmente, são só cobardes e mentirosos.»
Págª 35

Manhã, Mia Couto

Estou
e num breve instante
sinto tudo
sinto-me tudo

Deito-me no meu corpo
e despeço-me de mim
para me encontrar
no próximo olhar

Ausento-me da morte
não quero nada
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão

Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira

A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios estiverem já mortos

Educadamente mortos

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

I know where the summer goes

A cortina de areia invade o pátio
os elementos tingem o mar de uma cor encardida
que em rigor não lhe pertence
quando voltarmos à enseada
uma impressão contraditória
não nos larga
em cada plano, cada frase, cada pose

Somos sem saber os derradeiros
representantes de uma estirpe

Depois disso
não se morre nem se permanece vivo

José Tolentino Mendonça,
In RESUMO
a poesia em 2009,
Assírio&Alvim
FNAC

Manhãs

Daqui
"A fotografia foi tirada da Rua Ferreira da Silva e as ruas que se deixam perceber são:
Rua Carlos Mardel, Rua José Ricardo, Rua Ângela Pinto, Rua Actor Vale.
No canto inferior esquerdo percebe-se também o Mercado de Arroios."
As manhãs são boas, mas ingratas.
Acordam-me cedo demais e logo aí fico com vontade de lhes bater. Há dias em que os sonhos estão tão bons que até parece mal acordar, há outros dias em que a maciez dos lençóis me pede que não a abandone. Estando acordada, gosto das manhãs. Da frescura, da sensação de estar a viver um novo dia, de que coisas boas e diferentes podem acontecer, de que algo vai mudar. As manhãs são o princípio, o ponto zero, o novo e diferente. Gosto delas por isso. Respiram mudança, uma das minhas palavras. Depois os ponteiros começam a avançar no mostrador do relógio e, num ápice, as manhãs transformam-se em horas de almoço, em proximidade da tarde, em correrias de fim de dia. Rápidas, as manhãs, quase não me dão tempo de as saborear convenientemente. Parecem-se com os "gelados de água". Frescos, saborosos, refrescantes, mas tão rapidamente desfeitos pelo calor se não os soubermos comer a correr!
Na verdade, nunca passo a manhã a correr. Não gosto. É de manhã que tenho mais tempo para dedicar à escrita e não gosto de correr enquanto escrevo. As ideias não saem a correr, precisam de tempo e de de certeza no que dizem.
Hoje tem de ser diferente. A tarde vai ser atribulada, a manhã tem de render mais do que 100%. Sento-me sem saber muito bem sobre que escrever, o que dizer. Depois de ter tido o FB invadido pela mensagem de "cuidado com o que postas", fico um pouco insegura sobre o que escrever quando escrevo. Dou uma volta pelos blogues que leio. Dou de caras com a fotografia que inicia estas linhas. Como se fosse um click. O meu cérebro diz-me que conheço aqueles prédios, aqueles telhados. Ando para baixo e leio. Claro que conheço. A zona onde nasci e vivi durante 22 anos. E cai a nostalgia sobre os telhados luminosos da fotografia e sobre a minha cabeça. Há Sol lá fora apresar das previsões que dizem que vai chover e ficar cinzento.
Hoje tenho de ir a Lisboa. Não irei à minha "zona", ficarei pela entrada da cidade, mas isso não impede a saudade, a vontade dos passeios a pé, a imensa saudade. De quem já não pode voltar a passear comigo. De quem já não me pode ouvir enquanto converso. De quem me faz uma falta imensa. Cada dia mais.

A manhã.
Fresca.
Meia iluminada por um Sol que me lembra que o Outono está a chegar. Que d'hoje a um mês faço anos. Que se passou um ano sem que desse por isso. Que nada mudou.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A Zeros

Há um vazio que não há meio de desaparecer de mim.
Um desconforto que não me quer abandonar.
Um silêncio que não me pertence.

Novo Ano Lectivo - Materiais, Livros e Contas...[muitas contas]


Este ano, numa lógica de economia familiar, decidi que não iria comprar manuais, a menos que não os conseguisse via empréstimo. Para além de poupar (muito) dinheiro, estou também a contribuir para a sustentabilidade do planeta, não contribuindo para o desperdício de mais papel no final do ano lectivo.
Pus-me em campo e, contacto a contacto, lá fui conseguindo reunir os manuais de que iríamos precisar cá em casa para enfrentar mais um ano de escola. 7º e 10º anos. Consegui todos os manuais e cadernos de actividades. Que bom, pensei. A vida não está mesmo fácil e uma conta de água relativa a uma fuga no quintal arrasou com todo o nosso orçamento no regresso de férias.

"Mãe, o meu livro de Matemática é diferente do dos outros. O que vale é que o da Profª é igual ao meu.", discurso do Manel (10º ano);
"Mãe, o livro de Matemática que eu tenho não é igual ao dos meus colegas.", discurso do Martim (7º ano)

Ouço estas frases quase gémeas, ditas com uma diferença de 24 horas, quase com indiferença. Se existe alguém a quem se aplica a célebre frase "Um almoço nunca é de graça", esse alguém sou eu. Estava a considerar a hipótese de ser mesmo muito sortuda, por não ter de comprar livros. Aborrece-me esta política dos livros. Mantêm-se capas, mantêm-se autores e nome do manual, muda a ordem das páginas, razão suficiente para que os professores aconselhem a compra do livro deste ano. Já me aconteceu uma vez, também com matemática.
Não sendo nem tendo sido nunca beneficiária da Acção Social Escolar, debato-me, ano após ano, com a exorbitância de preços de manuais e material escolar que se acumula em listas completamente impossíveis de compreender (este ano, para o 4º ano, foram pedidas três resmas de papel e quatro cartolinas grandes...). Diz-se que o ensino obrigatório é gratuito. Se o compararmos com o particular, poderemos considerá-lo gratuito visto ñão sermos obrigados ao pagamento de mensalidades, mas se pegarmos na definição de gratuito e a aplicarmos ipsis verbis, teremos tudo menos um ensino sem custos. Não consigo compreender que num país em crise, todos os anos, se alterem interiores de manuais escolares para que os Pais/Encarregados de Educação tenham de comprar novos exemplares quando os poderiam reciclar de amigos, irmãos, primos.
Compreendo que as escolas públicas não tenham orçamentos que lhes permitam fornecer o material básico aos seus alunos, o papel. Já não compreendo porquê.
No meu caso, somos uma Família Numerosa, com um só vencimento, com despesas com habitação, alimentação, saúde, educação. O único vencimento é declarado na totalidade e, assim sendo, é decidido, por quem de direito, não haver lugar a acção social escolar. No entanto, casos há, em que havendo a hipótese de não se declarar a totalidade do que se aufere, há também lugar à concessão do dito apoio.  Por mais vigilância e controle que existam por parte das Finanças, estas situações vão sempre acontecer, porque vão sempre existir formas de "fugir" e, assim sendo, o sistema nunca será justo. Por mais que se acabe com subsídios por um lado e se tente tornar mais justos os que subsistem, nunca existirá essa justiça.
É discurso unânime em todos os quadrantes políticos que as famílias vivem momentos de grandes dificuldades, resultantes da situação económica e financeira difícil que se vive nas sociedades mundiais actuais. Então, porque não se criam medidas que possam aliviar algumas dificuldades? Porque não se dão orientações para que os manuais sejam reutilizados? Porque não se dão orientações para que o material pedido no início de cada ano lectivo seja o minimamente indispensável e não o que presumivelmente se irá utilizar durante um ano lectivo inteiro?

No final do mês de Setembro, tratarei de comprar os livros cujas páginas mudaram de sítio.
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